sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O Espelho

Como é fácil sermos vítimas. Como é mais cômodo nos colocarmos no lugar do atingido, do prejudicado, do traído e não assumirmos a nossa parcela de culpa. É tão simples dizermos: sou assim pelo que fizeram comigo, sou assado porque fulano me fez ficar assim. Não confio em nínguém porque todos me trairam, cuspo na cara de homofóbico porque ele me chamou de viado. Já diziam os deterministas de plantão. O homem é o produto do meio e um outro filósofo que dizia: o homem é o lobo do homem. Mas e Eu? E quando digo eu, é o indivíduo, os seres humanos de maneira geral. Algumas doutrinas religiosas dizem que nascemos simples e ignorantes, fadados à evolução e se é assim, quer dizer que o nosso destino é crescer, melhorar, nos aprimorar a cada dia, ainda temos a nosso favor o livre arbítrio, ou seja, além de termos a capacidade inata de nos aprimorarmos a cada dia ainda temos o poder de discernir entre o que é certo e o que é errado e a possibilidade de escolher entre um e outro e muitas vezes ainda escolhemos o caminho errado, simplesmente nos damos o direito de fazer isso porque alguém já fez isso conosco antes. Que merda de poder de escolha é esse? Que tipo de ser humano é esse que se deixa levar, se deixa moldar pelo pior? Então o meu poder de pensar, raciocinar, não vale de nada. O penso logo existo não existe, se no fim da história acaba-se agindo pelo instinto e o que é pior, pelo egoismo. O mais interessante disso tudo, como falei é que, nos sentimos bem no papel da vítima, pois é mais cômodo, e faz com que não precise chamar para mim a responsabilidade sobre meus atos. Se alguém me traiu, será que não fez porque de alguma maneira eu dei motivos? Se hoje eu não confio em ninguém, será que em algum momento eu também não fui digno de confiança?Será que por algum motivo também não sou digno de confiança? Só posso ter comigo aquilo que dou. Se não confio, por que devo achar que as pessoas confiam em mim? Se não confio em ninguém, existe também a grande possibilidade de não confiar nem em mim mesmo. Sera que não cometi atos que fizeram com que aqueles que estavam próximos e me consideravam de alguma forma perdessem a confiança em mim? É mais fácil julgar, condenar e estipular uma pena, que será aplicada não a uma pessoa, mas a todas as outras com quem eu me deparar pela vida, todos serão culpados pelos erros de um, O velho um por todos e todos por um, usado da maneira mais errônea que existe: por conta de um "fdp", toda a humanidade deve pagar. Que se estipule uma pena, não é o melhor a se fazer, mas é aceitável, mas que a mesma seja aplicada àquele que cometeu o crime e não a quem não tem nada a ver com a história, mais ou menos a lógica que a nossa mãe usava conosco quando éramos crianças: seu irmão fez arte, mas você vai apanhar também pra não ficar fazendo piada, dando risada da desgraça alheia. Que se dê o tiro, mas que esse tenha seu alvo certo e não se torne o disparar de um ser transtornado e vingativo, uma “metralhadora cheia de mágoas” como diria o poeta, pelo menos teremos um problema resolvido e um canalha a menos na face da Terra, mas como diria o ditado: “ os justos pagam pelos pecadores”, mais ou menos como aconteceu no 11/09. A raiva de Bin Laden era contra o governo americano, mas por conta disso milhares de inocentes pereceram, milhares de vidas que não tinham nada a ver com a história, que não entendiam de artimanhas políticas, se perderam. Se alguém tem que pagar por algo que, de certa forma eu também colaborei, afinal ninguém é vítima por acaso, por obra do Destino, porque Deus é um fanfarrão, temos também nossa parcela, não de culpa, mas de responsabilidade, afinal, se alguém me prejudicou, me lesou, me magoou é porque eu permiti que isso fosse feito, não dei limites, não dei um basta no momento exato, mas se tem que haver algum culpado por eu ter me tornado um mau caráter em potencial, sim, isso é um traço de caráter, e infelizmente, insisto em dizer, ninguém se torna mau caráter, por esse ou aquele motivo, na verdade a semente já estava ali o que aconteceu é que alguém,mais mau caráter ainda, em algum momento jogou água, adubou e a plantinha cresceu, criou raízes, floresceu, cheia de espinhos e veneno, que somente esse seja condenado, a cada culpado a sua pena. Como já falei, o ser humano foi criado e isso é algo que só ele tem, com inteligência e livre arbítrio para tomar suas próprias decisões e principalmente, para fazer o que é certo, pois temos dentro de nós aquele sinalzinho de quando as coisas estão erradas, o problema é que na maioria das vezes ignoramos esse sinal que possibilita também praticar aquela outra máxima, que antes de ser um ensinamento cristão, é um código de ética, que já existe desde a época dos antigos gregos " não faça ao outro aquilo que não gostaria que fosse feito a você". Se alguém me magoou, se isso me fez mal, me fez sofrer, por que vou fazer outra pessoa passar pela mesma experiência? Simples, puro egoísmo. Eu sei que muitos irão falar, mas é difícil não faze-lo, a dor deixou suas marcas, não sou mais a mesma pessoa, não sou mais o idiota que eu era. Sim, a dor nos modifica, mais até do que o amor, a diferença é que muitas vezes confundimos o não ser mais idiota, com sermos cruéis, não levarmos desaforo pra casa, subjugamos o outro porque um dia o fizeram conosco e mais uma vez não posso deixar de lembrar daquele episódio do célebre livro " Memórias póstumas de Brás Cubas" onde o escravo, depois de alforriado, faz ao seu empregado exatamente o que haviam feito com ele. O verdadeiro aprendizado está em, apesar da dor, apesar do sofrimento; no amadurecimento, não é não ser feito de idiota, mas saber ao certo o momento em que devemos insistir, parar, continuar. Para que insistir em algo que sabemos que não vai dar certo? Para que insistir em conscientizar mentes que não querem se tornar conscientes? Presas ao seu mundo e as suas convicções. Agimos errado, quando, não seguramos a mão na primeira agressão, entendamos isso também de maneira metafórica, pois não é só no físico que se agride uma pessoa. Mas não, infelizmente vivemos num mundo onde, os seres humanos, ou pelo menos a maior parte deles não pensa assim, infelizmente ainda vivemos a lógica do olho por olho, dente por dente, nos dizemos cristãos, e não queira ver nisso nenhuma conotação a nenhuma instituição evangélica, pois todos aqueles que seguem os ensinamentos de Cristo, são cristãos de alguma forma, independente da religião que professem. Jesus Cristo nos ensinou a amar e não disse nunca que esse amor estava ligado a alguma religião, mas ainda sim, mesmo após séculos, vivemos ainda sob a lógica mosaica, que é mais fácil de ser seguida pois é mais fácil ser mau do que ser bom. Infelizmente aquela fala de Mahatma Gandhi cada vez mais vai se tornando mais real. "Olho por olho, dente por dente, continuemos assim e um dia, a humanidade estará cega e banguela". Fomos dotados com o poder de escolher, mas na verdade não deixamos de ser escravos.

domingo, 27 de outubro de 2013

Questão de Gênero: Quando a sexualidade se depara com a realidade

Apesar de toda modernidade em que vivemos ainda há certas questões que são tabus, como virgindade e a homossexualidade por exemplo. Meninas que são julgadas por serem ou não mais virgens. Apresenta-se agora um novo mercado, o de leilões de virgindade, mas ainda esta é melhor aceita do que a homossexualidade, algumas pessoas ainda acreditam que é melhor ter uma filha prostituta do que uma lésbica, muito embora sabemos que a situação da primeira é bem mais complicada do que a da segunda, pois a primeira está exposta a riscos de doenças, agressões e tantos outros, já para a segunda a questão é o que elas fazem entre quatro paredes e este questionamento não é só para elas, são para os gays também. Às vezes conhece-se uma pessoa e se tem uma determinada opinião sobre ela, dizemos: Como José é inteligente, esforçado ou como Maria é competente, comprometida, dedicada, todos são excelentes profissionais, estudantes... até o momento em que se descobre a orientação sexual deles aí são taxados, julgados e até falsamente aceitos. Quantas vezes já não ouvimos: fulano é tão bom profissional, pena que é gay, né, ou ainda beltrana é tão boa no que faz e tão bonita e feminina, não acredito que ela é lésbica. Muitas vezes esse bom profissional deixa de ser visto como tal simplesmente pela sua orientação sexual, a questão passa a ser aí com quem você mantém relações sexuais, e não mais o seu eu, seu caráter, sua personalidade. Ou ainda nos deparamos com aquelas pessoas de personalidade mais forte e dizemos: está vendo, age desta maneira porque é gay, quando na verdade não é o fato de ser ou não gay mas sim uma questão de personalidade, é inerente aquele ser agir daquela forma independente do fato de ser gay ou não, com certeza se fosse heterossexual agiria da mesma forma. Bem, como quase tudo em nossa sociedade somos julgados e rotulados simplesmente pelo estilo de vida, pelas decisões que tomamos, não muito fáceis certas vezes, já que afinal a decisão de se assumir não é fácil além de ser em muitos casos algo doloroso e difícil, afinal não é tão simples assim sair do armário e dizer ao mundo quem você é e para que veio, expondo-se não raras vezes a rejeição e a intolerância. Pensando nisso, resolvi abordar esse assunto de uma maneira na qual não havia pensado antes. Como a mídia vê a questão da homossexualidade, do lesbianismo, como esse público de gays e lésbicas é visto e mostrado na TV e no cinema mais especificamente e para isso citarei aqui algumas séries, filmes e novelas a que assisti ao longo desse tempo e que tratam da questão da homossexualidade. Vamos começar então tratando da questão das novelas: há muito vemos o tema da homossexualidade sendo tratado neste tipo de mídia, mas podemos perceber também que ele é tratado de maneira como podemos dizer que passa muito longe do superficial. Podemos citar algumas: houve uma novela “Torre de Babel” em que as personagens da Christiane Torloni e da Silvia Pfeifer eram um casal é lógico que a desculpa que os autores vão dar não vai ser essa mas a repercussão foi tão grande que tiraram o casal do ar, matando as personagens. Essa outra novela que irei citar agora, “América”, tinha o Bruno Gagliasso, seu personagem Junior, deixava a questão do ser ou não gay no ar, até muito se falou sobre apresentar o primeiro beijo gay numa novela, o que acabou não acontecendo e mais uma vez a relação dele com um peão ficou subentendida e o beijo foi camuflado e não apareceu, mais uma vez podemos perceber aí o quanto essa questão ainda não está resolvida pela mídia televisiva ainda mais no horário nobre. Mudando o canal, podemos ver já no SBT, na novela “Amor e Revolução”, que tinha como pano de fundo uma história de amor em plenos anos de chumbo. Nesta novela também havia um casal de lésbicas e dizem que lá elas se beijavam, talvez seja verdade, mas se pensarmos que a novela era transmitida num horário próximo da novela das nove da concorrente num canal com a audiência um pouco menor, quantas pessoas viram esse beijo? Bem poucas. Já no cinema podemos perceber que essa questão é vista com maior naturalidade. No filme “Eclipse de uma paixão” é mostrado abertamente o relacionamento entre os poetas Paul Verlaine e Artur Rimbaud,na França em pleno século XIX, as cenas mostradas são claras e não deixam dúvidas quanto ao relacionamento dos dois poetas. Tal fato não acontece da mesma forma por exemplo no filme “As horas”, onde a homossexualidade da escritora Virginia Wolf é camuflada, sufocada, tal como deve ter sido na vida real, fato este que levou a mesma ao suicídio. Vindo para os trópicos dois filmes me chamaram a atenção: o primeiro, “Do começo ao fim”, conta a história de dois garotos, meio irmãos que desde crianças foram muito ligados e descobrem quando adultos uma paixão avassaladora, um filme muito interessante e que trata de dois tabus ao mesmo tempo: a homossexualidade e o incesto, já que os dois irmãos chegam a consumar o ato, as cenas mostradas também não deixam dúvidas da relação dos dois Um outro filme “Como esquecer” mostra as tristezas e decepções de uma professora universitária depois do rompimento de uma relação de tantos anos com a sua companheira, mostra os conflitos, o retomar da vida e a descoberta de um novo amor, neste filme há um enfoque maior da questão da homossexualidade já que se trata de dois amigos, um gay e uma lésbica que passam por problemas em seus respectivos relacionamentos. No campo dos seriados norte americanos, podemos perceber uma maior abertura, principalmente nos dos canais pagos, talvez seja porque o público é menor, afinal, não são todos que tem acesso a TV paga o que oferece poucos riscos àqueles que se aventuram por esse caminho. Podemos citar alguns seriados que tratam dessa temática e como isso é feito: O primeiro que gostaria de citar é “Will and Grace” que conta a história de dois amigos, sendo o primeiro um advogado, gay assumido e suas relações cotidianas. É um seriado interessante para quem gosta de comédia, já que o forte nele é isto, parece que a questão ali é fazer o público rir e não mostrar a homossexualidade do protagonista, nem ao menos o lado profissional dos personagens são mostrados, estão apenas em cena representando papeis de humoristas, nada além disso, mas é importante pela tentativa. Um outro seriado que gostaria de citar, esse já um pouco mais direto é o “The L Word”, que trata da vida e dos relacionamentos entre amigas lésbicas, já nos primeiros capítulos podemos perceber a temática homossexual, mas, ao mesmo tempo parece algo isolado, como se fosse somente esta a questão, o que torna o seriado um tanto quanto enfadonho, não aparenta ser vida real, o que chega mais perto disso é o fato do casal protagonista querer ter um filho e a relação ambígua de uma delas com um casal vizinho. “Will and Grace”, foi uma das primeiras séries a tratar da questão da homossexualidade, estreou na TV americana em 1998, talvez por isso, percebemos algo um tanto quanto evasivo ao trazer o tema para as telas, medo da repercussão? Pode-ser. Um pouco também aquela velha ideia de que através do riso, o programa fosse ao mesmo tempo aceito pela mídia e que também pudesse mostrar um outro lado, mais humano dos homossexuais. Tanto Will and Grace quanto The L Word, tiveram suas temporadas lançadas em DVD durante ou após o término da série, o que prova que elas foram melhor aceitas pela mídia, além do mais, a primeira continua até hoje sendo exibida pelo canal a cabo SONY no Brasil o que já não vai acontecer com a série da qual irei falar agora. Queer as Folk estreou na TV americana no ano 2000 e foi exibida aqui no Brasil pelo canal a cabo CINEMAX. Esta série foi pioneira na questão da ousadia com que o tema da homossexualidade é tratado, os personagens, na maioria gays, pensam, agem e vivem suas vidas como qualquer outra pessoa e também como qualquer outra pessoas eles transam, as cenas de sexo mostradas na série são várias e não aquela coisa mascarada, como estávamos acostumados a ver, o sexo, o desejo, subtendido. Os personagens têm suas profissões, temos um publicitário, um organizador de eventos, um contador, um artista plástico, uma professora de arte, uma advogada que vivem suas vidas na pacata cidade de Pittsburg. A série impressiona também por mostrar a vida como ela é os dramas e tragédias que podem acontecer na vida de qualquer pessoa, seja ela homo ou heterossexual, talvez por isso tenha me chamado mais a atenção. Quem nunca se deparou com aquela pessoa egoísta, que só pensa em si e passa por cima de tudo e de todos para conseguir o que quer? Ou ainda nunca teve uma decepção amorosa, ou uma doença grave, problemas com drogas, todos nós já nos deparamos com situações assim e podemos até ter vivido as mesmas, então isso, não seria um “privilégio” só dos homossexuais, correto? Também a questão das relações amorosas são abordadas neste seriado, a procura por alguém especial com quem se possa viver uma vida, todos eles, com excessão de um dos protagonistas, estão à procura disso, um relacionamento estável, maduro e mais uma vez me pergunto: quem não está a procura disso e quem também não está? Quantos Teds e quantos Brians não encontramos por aí e nem sempre eles são homossexuais. Com relação ainda a isso, a primeira vez em que assisti à serie no you tube, pude ver alguns comentários de pessoas que também assistiram, como por exemplo a reação ao final, não tão feliz do casal protagonista: Brian e Justin, pude perceber a indignação das pessoas por eles não terminarem a história juntos, depois de tanta luta e tanto sofrimento de ambas as partes. Realmente, a primeira vista parece triste e até um pouco injustiça por parte daqueles que idealizaram a série, como se disséssemos: Só nas histórias hétero temos finais felizes para os protagonistas, os gays não têm direito a eles? Depois de um tempo pensando nesta questão, ao assistir à série pela segunda vez pude perceber que o final correspondeu às expectativas de cada personagem. Como já comentei, de uma certa forma, todos eles procuravam um relacionamento estável, mesmo Justin, que irá admitir ao longo da série, que nunca poderia ter um relação estável, mesmo um casamento com Brian. Conforme previsto, todos tiveram seus finais felizes, a série termina com todos os casais formados e só os protagonistas separados, por que isso? A resposta é muito simples, como falei, todos procuravam por isso e encontraram o que procuraram, o único que não pensava nisso era o Brian que por sua vez terminou sozinho, coitado... Penso que houve coerência e não injustiça, o que aconteceu com Justin? Nunca saberemos, pode-se apenas ficar subentendido, podemos apenas imaginar, será que finalmente encontrou um novo amor? Alguém que correspondesse as suas expectativas? Isso são só conjecturas, material para a imaginação dos fãs da série. O que é fato, é que conforme já citei acima, todas as questões mostradas poderiam atingir quaisquer pessoas, não somente homossexuais, o que também é fato é que esta série nunca foi lançada em DVD no Brasil, ao contrário das outras o que me leva a crer que querem dar o esquecimento devido às histórias contadas ali, a não ser que algum curioso consiga comprar alguma versão de colecionador. Isso me leva a pensar em uma coisa, será que, apesar de quererem mostrar o contrário, a sociedade já aceitou um pouco melhor a questão da homossexualidade? Será que ela consegue aceitar que gays e lésbicas têm uma vida como de qualquer outra pessoa e que merece ser vivida e aproveitada? Ou será que ainda teremos que cobrir a questão por muito tempo ainda, com o velho e roto véu da maia?

Uma lenda africana

Uma lenda africana Esta história começa lá nos confins da África, onde um dia nasceu um belo príncipe, herdeiro e esperança de seu povo. Mugundo, este era seu nome e carregava consigo, além deste, a fé dos seus compatriotas de que a vida em seu país seria diferente. O menino nasce e, como previam os oráculos, realmente o destino de seu povo começa a mudar. A partir daí vive-se uma época de grande prosperidade, seu povo enriquece, o que é extremamente vantajoso para o rei, já que seu povo enriquecendo, o aumento de sua riqueza viria em consequência. Como nada na vida é eterno, com o passar dos anos esta história começa a mudar. Um dia, numa guerra entre as tribos, o clã de Mugundo é derrotado, sua família é destroçada e o príncipe é vendido como escravo, como era costume entre os derrotados e trazido para o Brasil, que na época era colônia de Portugal como mão de obra para trabalhos braçais. Mais do que a dor de haver perdido todos aqueles que lhe eram caros, doía-lhe mais saber que havia perdido seu bem mais precioso: a liberdade. Mugundo chega ao Brasil e, como tradição em nossas terras, recebe um batismo e nome cristão, Severino, um nome que traduz bem o que seria sua vida dali em diante. Ele chega para trabalhar na fazenda de um terrível senhor de engenho, o qual tinha suas maldades conhecidas em toda a região, amado por uns, temido por muitos, sua palavra era a lei naquelas paragens e será neste cenário que Mugundo, agora, Severino irá viver um verdadeiro inferno. Severino aceita seu destino sem revolta, mas carrega consigo o sonho de um dia poder reconquistar a liberdade perdida. Faz de tudo para não desagradar o seu senhor e para servir de exemplo para tantos companheiros que encontravam-se na mesma situação, sempre oferecendo um ombro amigo, uma palavra de consolo e esperança. Porém tudo isso não será suficiente para que Severino deixe de provar sua dose de sofrimento, a dor da chibata, a fome, que o faziam perder o sono e quase o juízo, nada disso pra ele importava, pois carregava consigo a certeza de que seria livre novamente um dia. Um dia, após muitos anos de sofrimento, novamente sua vida começa a mudar: o terrível senhor de escravos, perde sua fortuna e vê-se obrigado a se livrar de seus bens e com isso então, Severino é vendido para outro fazendeiro e mandado para uma fazenda maior do que aquela em que trabalhava. Abatido, mas não desesperançado ele chega ao lugar e como havia acontecido antes, segue como exemplo de trabalho e esperança. O tempo passa e Severino sempre ali trabalhando, sendo amigo, companheiro e querido por seus companheiros e também pelo seu senhor que, a cada dia mais admirava a postura digna daquele escravo. É nesta época também que ele conhece o amor, apaixona-se e casa-se com uma bela escrava que há muito vinha acompanhando seus passos. Passados alguns anos em que estava ali, um dia, o seu senhor o chama para uma conversa, quer saber um pouco mais sobre ele, sobre sua vida. Severino chega, de cabeça baixa, olhos na direção do chão e surpreende-se quando o senhor lhe faz a seguinte pergunta: - Qual é seu nome? Admirado o escravo responde, achando que seu senhor estava enlouquecendo: - Severino, senhor! Novamente seu senhor o interpela: - Não, Severino foi o nome que te deram aqui em meu país. Quero saber o nome que recebeu em suas terras, aquele que seus pais escolheram para você quando nasceu. Fale-me um pouco sobre você. Severino então, sem entender muito bem onde seu senhor queria chegar, mas emocionado por relembrar sua origem lhe responde: - Nasci lá nos confins da África, em meio às planícies mais verdes e belas que o senhor poderia imaginar, meu nome era Mugundo, eu era filho do grande rei daquelas terras, mas perdi tudo, inclusive minha família, depois de uma guerra e fui mandado para este país para servir como escravo para seu povo. Seu senhor admirado lhe responde então: Chamei-te aqui Mugundo, porque te observei todos estes anos, sua postura digna, suas palavras de consolo para seus companheiros e achei que era a hora de te dar um presente. Desta vez quem se admira é Mugundo: - Presente, senhor? - Sim, um presente, mas aposto que você não saberia o que é. -Realmente, meu senhor. - O presente que te dou agora, meu príncipe, é esta carta, nela está a garantia da liberdade, sua, de sua mulher e dos filhos que vierem a ter. A partir de hoje você é livre para fazer o que quiser, inclusive voltar a seu país. Dou-te ainda este dinheiro para usar caso queira fazer isso, ou para garantir suas primeiras necessidades. O ex escravo, agora novamente príncipe, sem saber direito o que fazer ou dizer abraça seu senhor e não consegue dizer nada, devido às lagrimas que não deixam de cair dos seus olhos. Vai então para casa contar a novidade para sua esposa. - Maria, arruma tuas coisas que vamos embora daqui! A mulher acha que o marido enlouqueceu e ele novamente lhe fala: - É verdade, olha aqui, esta carta diz isso, a partir de hoje estamos livres, podemos ir aonde quisermos como quisermos e ninguém irá nos impedir, nosso sonho finalmente se realizou. Não cabendo em si de felicidade sua esposa o abraça, choram juntos e planejam o que fariam dali pra frente, onde iriam morar, seu futuro, que prometia ser maravilhoso. Passado algum tempo, depois de tudo isso, Mugundo começa a agir de maneira estranha. Talvez por sentir-se sem rumo, afinal, foram tantos anos de escravidão e sofrimento que agora não sabia o que fazer com tanta felicidade. O fato é que Mugundo, agora já com um emprego, ganhando seu próprio dinheiro, um dia retorna a fazenda daquele senhor que lhe deu o seu presente e, voluntariamente, vai até a senzala, onde acorrenta seus pés e dorme na sua velha cama de pau. Esse ritual repete-se todas as noites., Durante o dia Mugundo trabalha pra garantir seu sustento e o da família e à noite retorna à fazenda pra dormir na senzala como havia acontecido todos aqueles anos. Seu antigo senhor não entende sua atitude e um dia lhe chama pra conversar: Mugundo, por que está fazendo isso? Não sei dizer meu senhor, o fato é que depois que saí daqui, apesar de toda felicidade, senti-me vazio, sem saber o que fazer e percebi que só voltando, este vazio era preenchido. Apesar da tristeza, o senhor aceita a situação e também a presença daquele escravo, todas as noites em sua fazenda. Passa-se o tempo, sua esposa também não entende direito a situação, mas conforma-se e vê, resignada, seu marido, todas as noites, fazer o mesmo caminho, da sua casa até a fazenda. Aceita também o fato de Mugundo ter enlouquecido e toma uma difícil e necessária decisão: - Mugundo, se passar as noites na fazenda te faz feliz, eu aceito, não vou mais interferir na sua decisão. Apesar de te amar, aceito o fato de que você é mais feliz lá na senzala, não vou te abandonar, mas sinto que nosso destino não é mais estarmos juntos, segue sua vida que eu vou seguir a minha. Esta é a última conversa do casal, depois disso nunca mais se falou. Novamente o tempo passa, seu senhor morre, seus companheiros, alguns de idade, outros de doença também se vão e Mugundo desta vez, definitivamente sozinho, continuou seu ritual, até o dia em que o Grande Senhor, por compaixão e justiça resolveu finalmente, desta vez de maneira definitiva, libertá-lo para ser feliz. Observação: Esta história não é uma fábula, mas penso que tem uma grande moral: será que sabemos lidar com a nossa liberdade? Conseguimos identificar o momento em que as amarras são cortadas? Ou será que muitas vezes ainda que inconscientemente procuramos por elas até enlouquecermos? Quantas vezes não pensamos e agimos como o príncipe Mugundo? Será que neste momento não fazemos isso? Era este o questionamento que pretendia trazer quando pensei nesta lenda. Ana Paula dos Santos

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Apocalipses

           Hoje o mundo acordou sob alerta, bom, pelo menos aqueles que acreditam no fim dele.
            Muito se predisse, foi dito e até houve pessoas que esperavam ardentemente por este dia, o famigerado 21 de dezembro de 2012.
            Pelo que pude perceber, o mundo não acabou, pelo menos até agora, as oito e trinta e nove da noite.
            Mas já se parou para pensar para quantas pessoas o mundo já acabou, quantos não viveram para ver este dia chegar, muitos não vão ver as luzes de natal este ano, não verão a entrada de um novo ano.
            É possível perceber isso pelas pessoas famosas que morreram, não sei se a minha impressão está errada, mas morreu mais gente esse ano do que nos outros, isso falando de famosos, costumo brincar com o seguinte: Pessoal, fique alerta, gente que nunca morreu está morrendo este ano, o Niemeyer morreu, perdi minha referência.
            Sempre que alguém morria eu dizia, o Niemeyer enterrou mais um, agora já não posso dizer isso, alguém me empresta mais uma referência?
            Tirando tudo isso, volto a me perguntar, quantas pessoas já morreram este ano, famosos, a gente logo fica sabendo, mas e os anônimos, aqueles que morrem todos os dias e de quem ninguém se dá conta, de fome, em conflitos, no trânsito, de doenças, ou mesmo pela boa e aguardada, mas muitas vezes não desejada velhice.
            Isso sem contar aqueles que se foram bem antes de 2012 chegar, que não viram a entrada desse novo ano, para estes o mundo já acabou faz tempo, pois por mais que acreditemos em teorias espiritualistas, nunca mais seremos nós mesmos, nunca mais seremos quem somos hoje, pode-se nascer e renascer que seremos sempre pessoas diferentes, nunca mais terei o meu nome, nunca mais nasceremos no mesmo lugar ou moraremos na mesma casa ou viveremos da mesma forma, a partir do momento em que morremos aí sim é o fim. Além do que Deus não seria tão sacana de acabar com a humanidade neste ano, antes do Natal, antes da segunda Copa do Mundo e da primeira Olimpíada no Brasil, não dizem que ele é brasileiro, ora essa!
            Não entendo muito bem porque o homem tem tanta pressa que o mundo acabe, primeiro foi o ano 2000, quem nunca ouviu aquela famosa profecia: “de 1000 passará, de 2000 não passará”, agora deram mais doze anos, mas parece novamente que ainda não será o fim, mas com certeza arrumarão uma nova data. O ser humano gosta de viver sob pressão, neste caso uma desnecessária. Não seria mais fácil deixar as coisas acontecerem? Não seria mais interessante ao invés de ficarmos aguardando o fim do mundo, modificarmos o mesmo, as coisas que não vão bem, assim como o próprio homem. Não seria mais útil se ele procurasse motivos, datas para o fim, um meio de modificar-se, aprimorar-se e não digo intelectualmente que isso até que ele já fez bastante, mas no seu lado moral, e não digo isso como uma puritana, alguém que quer a paz mundial, mas não seria mais fácil se os homens conseguissem se entender e se tolerar, do que procurar brigas inúteis que duram anos e mais anos e não acrescentam nada?
            Depois de toda essa filosofia, podemos perceber que o mundo não vai acabar tão cedo, pelo menos não há nenhum sinal de meteoro nem de nenhum objeto estranho entrando em contato com nosso planeta e tenho para mim que se um dia o mundo que conhecemos acabar, não será por obra de nenhum ser de outro planeta, mas sim,infelizmente pelas nossas próprias mãos, inconsequentes, irresponsáveis e egoístas.
            Enquanto o homem olhar só para si e não a sua volta a humanidade sempre correrá o risco de estar perto do fim.





sábado, 26 de junho de 2010

O epitáfio dos robôs: relato de duas adolescências perdidas

Existem histórias que merecem ser contadas, outras esquecidas, ainda há aquelas que merecem ser relembradas.
Acredito que essa história se encaixe um pouco nestes três casos.
Merece ser relembrada para que com isso possamos aprender e não incutir em novos erros. Contada, para que nosso exemplo possa servir de aprendizado para outras pessoas, para que elas possam, através do que lêem aqui, analisar seus comportamentos e discernir o que querem e o que não querem para suas vidas, o que estão fazendo com essa estadia gratuita dada aos seres humanos no Planeta Terra; digo gratuita, pois que financeiramente não lhes é cobrado nada para viver.
Merece também ser esquecida, depois é claro de tirarmos dela tudo de bom que tenha para nos oferecer, para evitarmos com isso que os acontecimentos ruins, venham a nos contaminar com mágoas, pois como diriam aqueles que sofrem da síndrome de Pangloss: “podemos tirar algo de bom das piores coisas”, ou é quase essa a idéia.
Procurarei contar essa história da forma mais leve possível, já que só o fato de relembrá-la possa parecer um exercício muito penoso para esta que vos fala.
Começo então apresentando as personagens que ilustrarão esta pequena farsa ou comédia, depende de como encarar.
A minha história é composta basicamente de quatro personagens, pode ser que no decorrer da trama apareçam mais algumas, mas no momento é só delas que consigo me lembrar: Envaidecida, Divinana, JR 1982 e AP 1981.
A primeira personagem: Envaidecida é uma senhora de aproximadamente 50 anos, embora pareça ter mais 10 em cima dela. Ela é diretora de uma pequena associação de assistência, era sociedade, mas por conta as mudanças no Código Civil Brasileiro essa sociedade tornou-se Associação, uma espécie de ONG que tem como objetivo ajudar os mais necessitados ou pelo menos tinha essa função até a Senhora Envaidecida assumir o seu comando.
A segunda: Divinana, jovem, aparentemente agradável sem ser bonita, é uma espécie de fiel escudeira da Envaidecida, pronta a reproduzir e colocar em prática todas as ordens da aprendiz de ditadora.
Os outros dois personagens JR 1982 e AP1981 são os robôs citados no título da história, que tiveram suas vidas entrelaçadas e enredadas de uma certa maneira, durante algum tempo por estas duas outras personagens.
Apresentadas as personagens e o espaço, é interessante falarmos sobre o tempo, afinal toda boa história que se preze é composta de espaço, tempo e personagens, além de um bom enredo é claro.
1998, junho, estamos no inverno, pelo menos neste país em que vivemos; até então Envaidecida não tinha se tornado tão poderosa, ou pelo menos não parecia tão perigosamente nociva e sua amiga Divinana ainda carregava alguns traços de humanidade.
JR 1982 era somente uma personagem obscura, escondido atrás de outros robôs mais obscuros ainda, dentro daquele pequeno grande mundo.
AP1981 era um robô novo ali, tinha acabado de chegar de outro lugar, outro planeta até, e imediatamente tornou-se amigo de JR1982, pois o pequeno robô, mostrou-se mais receptivo a ele que estava chegando, pelo menos no início, serviu-lhe como porta de entrada naquele mundo.
Durante algum tempo JR1982 e AP1981 foram seguidores das idéias da Envaidecida, mas, conforme os anos passavam, uma luz começou a acender dentro deles, como a alertar que alguma coisa estava errada, eles só não sabiam o que.
Os dois fizeram de tudo ali dentro, as pessoas que freqüentavam o lugar chegavam a pensar que se algum dia aqueles dois robozinhos não estivessem ali, aquela pequena empresa não existiria.
JR 1982, ou Jotinha, como podemos carinhosamente chama-lo, um belo dia foi convidado a fazer parte da cúpula que compunha aquela empresa e desempenhou muito bem o seu papel, como tudo que costumava fazer e, praticamente, depois de algum tempo, entregou seu cargo nas mãos de AP1981, a mesma função, o mesmo lugar, apesar de todas as objeções do Pezinho, ele não queria tamanha responsabilidade e tentou, até o último momento, fugir dela, mas, mais uma vez a Envaidecida o persuadiu a aceitar, ela dirá o seguinte:

- Meu querido AP1981, você tem que aceitar esse cargo que estamos oferecendo, é a nossa última esperança, o JR 1982 não vai mais querer continuar e a Divinana vai ter coisas mais importantes a fazer pela nossa casa. Eu também não queria aceitar o cargo que me foi oferecido, de presidente, mas percebo que a nossa atual líder, Maria, não é mais capaz de levar suas responsabilidades à diante, mas ela não estará de fora, somente num cargo mais de acordo com sua disponibilidade, (diga-se inferior). Encontramos aí a Envaidecida mostrando suas garras.
Depois de muito pensar, mesmo agindo contra sua vontade, AP1981 aceita a proposta que lhe foi oferecida, mas só muito depois é que vai ter a noção exata do que tinha feito e das conseqüências de sua aceitação.
AP1981 continua seu trabalho, fazendo as mesmas coisas que fazia antes, o novo cargo não lhe mudou em nada, ou quase nada, pois se houve alguma mudança foi somente no aumento de suas perturbações.
Essa nomeação, no entanto foi extremamente importante, um divisor de águas na vida de AP1981 que começara já se questionar a respeito de algumas coisas que aconteciam ali, principalmente, das idéias repressoras e narcisistas da Envaidecida.

- João Roberto foi outro, com suas idéias, queria trazer para si todos os meus súditos, abrir suas mentes, faze-los pensar! Isso é um absurdo! Como se não bastasse, assumiu-se homossexual, publicamente, para quem quisesse ouvir. Não! Como poderia deixar o futuro da minha empresa na mão de um desviado?
- Coloquei – os para fora como cães! E Coloco quem mais ousar me enfrentar. Aquele Macabeu que não se atreva, anda com umas idéias estranhas; deve ser a má influência do João Roberto.
Macabeu não esperou mais, afinal tornou-se insuportável toda aquela situação, queria só uma chance para fugir dali, sem causar estardalhaço, mesmo porque guardava um segredo contigo, a oportunidade, eis que ela surgiu, Macabeu mudou-se, foi morar em outra cidade e ficou muito complicado continuar seu trabalho, afinal dependia do transporte público e fazia outro curso cedo, se quisesse continuar, teria que ficar o dia todo fora.
Macabeu, decide abandonar tudo aquilo, no início sentia-se estranho, não estava acostumado com tamanha liberdade, com o tempo sentiu-se aliviado e pode-se dizer até feliz.
Da sua adolescência perdida, não teve muito mais o que fazer, só se conformar, não podia voltar no tempo, já estava feito, só lhe restava saber o que fazer com sua vida dali pra frente, a mesma sensação era compartilhada por João Roberto.
De JR1982 e AP 1981 restaram somente as carcaças enferrujadas, danificadas, que foram definitivamente sepultadas . Nas suas lápides a mesma inscrição marca a passagem do tempo para esses dois seres:
“Aqui jazem dois Espíritos sem Alma”

Crônicas do Sofá Cama: Lembranças de uma vida dentro e fora do armário


PRÓLOGO

É fato comum que as pessoas gostem de relatar suas vidas, temos um prazer quase sádico de falar de nós mesmos, nossas memórias, peripécias e porque não dizer, tristezas. Comprazemo-nos com elas, e adoramos quando as outras pessoas também o fazem, principalmente se ao se virem solidárias com nossas mazelas, nos dão o colo que não raras vezes precisamos.
            Também não é segredo pra ninguém que escolhemos meios de contarmos essa história, como se ao fazermos isso, nós pudéssemos ler de uma outra forma, do começo ao fim, do fim ao começo, de trás para frente e até do avesso.
            Eu, ao contrário, não farei um relato cronológico, racional da minha vida, contarei a minha história sim, um pedaço dela, mais exatamente os últimos cinco anos, que acredito serem os mais emocionantes, já que várias coisas aconteceram, desde o ingresso na Universidade, o início de uma terapia, na busca angustiada de um caminho próprio, e até, a descoberta, ou seria melhor dizer, o assumir de uma nova condição sexual. Realmente foram muitas emoções para cinco anos apenas.
            Essa primeira página serve para explicar todas as outras que virão, inclusive o modo como escreverei essa história e, para fugir ao egocentrismo, não usarei meu nome, nem citarei o nome de pessoas próximas, não seus nomes reais, todos seremos personagens, criaturas inventadas para essa grande obra, que por vezes terá momentos de tragédia, comédia e porque não dizer, romance.
            Quem ler esta obra, pode estranhar o título, o qual é no mínimo inusitado, mas é muito fácil de explicá-lo, meu livro leva este nome devido a um sofá cama que me serviu de abrigo nos dias em que dormia no alojamento da faculdade, graças à generosidade de um grande amigo meu, ele me deixava dormir lá quando saia tarde da noite da aula. Ah! Prometi a ele que um dia escreveria estas memórias.
            Dadas todas essas explicações, vamos a história, garanto que tenho muitas coisas a contar.
Boa viagem!!!!

Beatriz

(Edu Lobo/Chico Buarque)

Olha, será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida.

Olha, será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz

Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva para sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Ah, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha, será que ela é uma  estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia
Despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se um arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida

Capítulo I: Os anos, nem tão dourados assim, de faculdade.


            Toda história, seja ela drama, comédia, romance ou tragédia, tem um herói ou uma heroína, ou vários heróis, essa vai ter uma heroína, uma frágil e dócil garota do interior, Beatriz, a qual irá contar a sua aventura na cidade grande, durante os anos de faculdade.
            Primeiramente vou contar a vocês quem é essa garota, seu histórico de vida, de onde veio, para onde foi, idade, sentimentos e expectativas.
            Beatriz, 24 anos, nascida na pequena e distante cidade de Buzolândia, veio à capital para cursar uma faculdade, Artes, seu sonho era ser uma grande artista, escritora, roteirista, tudo que envolvesse palavras e sentimentos a atraia, nunca gostou de desenhar, mas quando de posse de papel e lápis conseguia chegar aos corações de todos os quais mantivesse contato.
            Ao adentrar os arcos acadêmicos, a primeira desilusão, nada daquilo era como ela pensava, não que tivesse entrado iludida, sabia perfeitamente que as coisas não seriam fáceis, mas não imaginava que pudessem ser tão ruins, seu primeiro ano foi terrível, o fim das primeiras ilusões e a primeira frustração, ela não conseguiu estar onde queria.
            Antes de qualquer coisa vamos abrir um parêntese, essa era a segunda faculdade que a nossa heroína freqüentava, totalmente diferente da primeira, tinha a impressão de que havia saído do forninho direto para um freezer, tamanha a diferença de tratamento entre as pessoas nas duas realidades. Tinha saído de um lugar onde havia feito muitas amizades e até um candidato à “grande amor de sua vida” (nunca chegou a sê-lo, embora o mesmo tivesse tentado, ou ela achava), para outro onde ninguém se importava com o outro, nem com nada, a própria vida e saúde banalizadas, aquela realidade a assustou, afinal gostava de ter sempre amigos por perto, ainda que não fossem, foi obrigada a aprender a se manter sozinha e ficou assim durante muito tempo.
            Passou-se o primeiro ano, os traumas agora tornam-se menores, ou será que se acostumou a eles? Não se sabe, temos a horrível tendência a nos habituarmos com as surras que a vida nos dá, ao invés de lutarmos contra elas e tentar fazer tudo diferente. Descobre então que as coisas não são tão ruins assim, e também que não era aquilo que queria, até aquele momento não sabe exatamente o que quer, mas pouco importa, Bia, assim que passarei a chama-la de agora em diante, estava ali mais por competição e também para agradar um certo alguém que até então considerava o grande amor de sua vida, o que fez com que o outro não tivesse se tornado.
            O freezer já não era mais tão gelado, tinha feito alguns amigos, com os quais mantém contato até hoje, amizades sinceras com as quais ela pôde contar nos seus momentos mais traumáticos.
            Chegamos ao segundo ano, agora as coisas já estão mais fáceis, Bia então decide cursar um outro idioma, ele sempre gostou disso, opta então pelo italiano, “ a língua de Dante”, sente-se a própria musa do poeta do “trecento” e, acredito até que seja, já que assim como a grande musa mergulhou até os infernos para resgatar o poeta, assim também ela fez, mas pra resgatar a si própria.
            Não se pode dizer que não tenha gostado da experiência, de certa maneira precisava passar por isso, houve até pessoas que apostaram que seria esse o caminho que seguiria, embora nem a mesma tivesse essa consciência.
            Terceiro ano, a fase de adaptação ao meio inóspito já passou, mas ela já estava cansada, depois do primeiro, este foi o mais difícil, é nesse período também que ela percebe que a sua luta estava perdida, nunca teria seu “grande amor” não sabia ainda o porquê, embora desconfiasse, era conveniente para ela acreditar nas coisas que ele dizia, nossa heroína então decide se afastar, não queria que as coisas piorassem, não se feriria mais por causa dele.
            Este ano também foi o qual ela mais mergulhou nos estudos, estudava de manhã, à tarde e em alguns dias até a noite, sem esquecer, contudo de seu trabalho, precisava fazer algo com que pudesse se manter estudando, seus pais nunca a ajudaram muito, seu pai nunca lhe perguntava se estava precisando de algo, achava até que gastava demais, afinal, enquanto estivesse estudando, gastaria o dinheiro e não poderia ajudar em casa, e era só isso que lhe interessava, afinal não via a filha, mas sim as cifras que ela poderia render e que no momento não rendia nenhuma.
            Bia começa a trabalhar na faculdade, o salário até que não era ruim para uma estagiária, e aumentaria conforme ela avançasse nos semestres, adorou a idéia, e gostava ainda mais do trabalho, pois fazia com que estivesse em contato com o que ela mais gostava, os livros e as artes, além de ser um ambiente tranqüilo, próprio para reflexão, que era um pouco o que ela precisava. A garota foi premiada pela sua dedicação, os dias sem almoçar, sem dormir direito, demitiram-na após o quarto mês de serviços prestados e ela ficou sem saber o que fazer, não tinha nada em vista e precisava de dinheiro, chegou em casa desesperada e diria até que revoltada, por mais uma vez ter sido feita de idiota.
            Quarto ano, estamos quase no fim do curso, se tudo corresse bem, e ela torcia que sim, sairia da faculdade no próximo semestre, até combinou que comemoraria duas coisas juntas naquele ano, o fim do seu “doce martírio” e mais uma primavera, ou um inverno, o clima não estava nada primaveril para Bia, esqueci de citar, seu aniversário era em Julho.
            Bia não se importava muito mais com a faculdade, percebeu que, nos momentos em que mais estava tranqüila, despreocupada e quando, inclusive, não estudava para as provas, eram os momentos em que se saía melhor, apertou o freio, precisava cuidar um pouco mais de si, descobrir quem era de verdade.
            Primeiro semestre de 2005. As coisas aconteceram, tal qual Bia havia planejado tudo era muito óbvio, tinha feito tudo para que esse momento chegasse se dedicado, abdicado de sua vida, então não foi surpresa quando assinou sua colação de grau, a partir daquele momento, cortaria seu cordão umbilical com a academia, e começaria então, um doloroso processo de reencontro consigo mesma, mas, isso é assunto para outro capítulo.

Capítulo Dois

            Olá, caro leitor, bom dia! Ou será boa tarde? Escolha você no momento em que ler essa história.
            No capítulo anterior ficamos conhecendo um pouco da história acadêmica da nossa amiga Beatriz, um capítulo importante na sua vida, já que marcou por assim dizer, a sua entrada na vida adulta e todas as suas desventuras e também alegrias.
            Agora, vou explorar um pouco mais as aventuras amorosas de Bia, seus relacionamentos.
            Começo por dizer que a nossa personagem, nem sempre se preocupou com esse lado da vida, parecia que as coisas estavam muito bem pra ela e, podemos dizer que, durante o tempo em que ela estava trabalhando e estudando, não havia muito tempo pra se preocupar com isso e pode-se até dizer que usava o trabalho e o estudo como pretexto, como um anestésico para a dor que corroia a sua alma, a solidão.
            Não podemos dizer que Bia seja uma garota bonita, possui uma doçura toda sua, tem um imã natural que atrai as pessoas a sua volta, porque não dizer que a nossa heroína até que angariou muitos amigos ao longo da vida, com exceção dos anos dos primeiros estudos, mas, no que diz respeito aos relacionamentos, ela nunca deu muita sorte, pois num mundo em que a beleza é no mínimo um bem de consumo, ela tinha que contar somente com a sua inteligência para conseguir alguma coisa, uma boa conversa, um papo agradável, e diga-se de passagem, esse tipo de coisa não é muito valorizada no universo masculino.
            Por conta dos seus poucos atrativos físicos, a vida afetiva de Bia começou por assim dizer,  tarde, seu primeiro beijo ocorreu aos treze anos, quando a maior parte das suas amigas, já tinha certa experiência, algumas até já tinham seu primeiro filho, mas o que importa dizer deste episódio é que Bia quis, com esse acontecimento desafiar as “meninas da turma”, dizer que também podia ter seus casinhos, seu primeiro beijo foi com um dos tipos mais estranhos da escola, mas pelo menos ela tinha alguma coisa pra contar e, naquele momento era isso o que mais importava para a adolescente Beatriz.
            Quando estava mais ou menos com onze anos de idade, Bia, encontrou um primo seu, Mateus, e qual não foi sua surpresa, ao se deparar com o belo rapaz, tão diferente do garoto desengonçado com o qual brincava na infância, a garota se descobriu apaixonada por ele e aí iniciou-se seu martírio, pois tinha que esconder o sentimento, já que se achava culpada, por amar o próprio primo, e a família não ajudava muito nesse ponto, seu pai a alertou: “primo com prima não pode, Bia”. A garota escondeu seu sentimento, até o dia em que o mesmo se tornou impossível de esconder, então, um dia, ele liga pra ele e conta tudo, todo o amor contido durante todo aquele tempo, ela já tinha dezessete anos.
Bia sofreu muito, achou que ainda não era o momento de falar, de contar a ele o que ela sentia, chorou, pensou em se matar, principalmente no dia em que descobriu que Mateus estava namorando, parecia que seu mundo havia desabado, ela sentiu realmente tudo rodar e se não se apoiasse na pilastra de sua casa, teria caído, desmaiada.
Então, por conta de seu desgosto, e também por uma afinidade que Bia possuía com o Espiritismo, começa a freqüentar um Centro Espírita, em sua cidade, a princípio, participa do grupo de jovens, está desiludida com a vida e mais uma vez quer encontrar um esconderijo para suas frustrações, uma desculpa para impedir que sua vida ande, começa a fazer cursos e a se envolver cada dia mais com a rotina da “casa” e, apesar do seu discurso de “nunca mais se apaixonar”, conhece Rodrigo, um rapaz diferente, sensível, inteligente e porque não dizer um tanto quanto petulante, mas que vai aos poucos, não obstante a sua resistência, conquistando o coração de Bia, mais uma vez achava que tinha encontrado o príncipe encantado.
Rodrigo era realmente um rapaz muito especial, ele e Bia descobrem que têm interesses semelhantes, o que faz com que os dois fiquem cada vez mais unidos e também com que amigos em comum fiquem até enciumados, e comentários começam a surgir. Seriam Beatriz e Rodrigo namorados?
A amizade dos dois ganha um tal grau de intimidade que Bia conhece a família de Rodrigo e o garoto a de Bia, e ambas acham que os dois seriam o par perfeito, a mãe de Rodrigo, até pensa que os dois um dia poderiam se casar, pobre dona Virginia, chega a pensar que Bia poderia ser a esposa perfeita para Rodrigo, afinal ela suportava o gênio difícil do rapaz, o mesmo pensava a família de Bia.
Percebe então que teria um longo caminho para chegar ao coração de Rodrigo, não seria uma cruzada de pernas ou um sorriso mais ousado que a faria conquistar o rapaz, começa então a utilizar o que ela sabia melhor, a inteligência, as conversas entre os dois versavam sobre os mais variados assuntos, e era incrível como eles sempre tinham assunto, ficavam horas no telefone sem se cansar e não faltava o que falar, Rodrigo conversava com Bia sobre tudo, pedia opinião sobre tudo, podia-se dizer que a garota sabia a cor da roupa íntima de Rodrigo, muito embora, por ser muito teimoso, era sempre a opinião do rapaz que prevalecia. A garota tinha pretensões de cursar uma faculdade, mas não era algo muito forte nela, afinal, como era uma garota sem muitos recursos e principalmente, sem apoio da família, deixa isso de lado, até que Rodrigo tem a idéia: iriam prestar vestibular para uma faculdade pública e começam a estudar, marcar encontros de grupos de estudo, Bia descobre um meio de chegar ao coração de Rodrigo, pelo cérebro, pela inteligência. O grupo de estudos funciona aproximadamente até a metade daquele ano, mas isso não importava mais para Beatriz, já tinha conseguido o que queria, tinham se tornado inseparáveis.
Rodrigo consegue passar no vestibular, entra na faculdade naquele início de ano, Bia teria que esperar mais um pouco, e apesar da frustração, consegue algo inesperado, um bolsa num cursinho pré vestibular, o que lhe dá um ânimo maior e Bia descobre que não era só pra conquistar Rodrigo que ela queria entrar na faculdade e penso até que se fosse só por isso a garota não teria conseguido terminar seu curso, como comentei no capítulo anterior. Bia se descobre no seu curso, não obstante a esperança continuava ali.
Neste instante vale a pena abrirmos um parêntese neste episódio amoroso de Bia, a garota não consegue entrar na faculdade que queria naquele ano, não estaria perto de Rodrigo, não intelectualmente, mas começa um curso universitário naquele ano, um pouco pra mostrar que também era capaz, e para conseguir se livrar do seu emprego o qual sentia que não dava futuro e porque percebeu que já tinha aproveitado tudo que o mesmo poderia lhe ensinar. Escolheu o curso de propósito, maquiavelicamente: Engenharia Civil, matutino, o curso menos concorrido da faculdade, com certeza ela entraria e foi o que aconteceu.
O que Bia não esperava era que poderia encontrar um novo amor, ou uma tentativa, e eis que ela encontra, Ricardo, um rapaz mais velho, oito anos a mais do que Bia.
Ricardo era um rapaz persistente, e pode-se dizer que tinha descoberto uma potencial mina de ouro em Bia, já que enxergou nela coisas que nem mesmo  a garota conseguia enxergar. Começa então uma campanha para chegar ao coração de Bia, galanteios, agrados, indiretas um tanto quanto diretas. “Você é muito bonita Bia, mas do jeito como se veste parece um molequinho”. Ricardo seria o homem da vida de Beatriz, se não fosse Rodrigo, maldito Rodrigo.
Um belo dia, depois de Bia já ter mudado de faculdade, cansada da indiferença de Rodrigo, resolve dar uma chance a Ricardo, dar uma chance a si própria, gostar de quem gosta dela.
Ricardo e mais duas amigas de Bia resolvem fazer-lhe uma visita na faculdade, eles queriam pedir transferência de seu curso, não deu nada certo, andaram de departamento em departamento, desde a faculdade de Engenharia até a fundação responsável pela administração da faculdade, ninguém deu uma resposta favorável, e, como já estava ficando tarde, resolvem então ir embora, pegam os quatro o mesmo ônibus, embora os destinos fossem diferentes, as meninas desceriam no Anhangabaú, Bia, no terminal rodoviário, Ricardo, no ponto final.
Já decepcionada com Rodrigo e sua indiferença, quer saber até que ponto Ricardo está levando a sério suas promessas e tem a grande idéia, espera suas  amigas descerem do ônibus e começa a flertar com Ricardo, diz que já está cansada de sua situação com Rodrigo, o rapaz sabe de todo o seu infortúnio, Bia resolve dar-se uma nova chance com outra pessoa.
Ricardo lhe pergunta: “Eu conheço essa pessoa?” Bia percebe que não adiantava mais esconder e lhe diz: “Sim”. O rapaz pergunta mais um vez: “Você já estudou com essa pessoa?” Novamente Bia responde: “Sim”. Então Ricardo faz a pergunta fatal: “Essa pessoa sou eu?”Ela não encontra alternativa a não ser responder, havia provocado agora que agüentasse. A garota responde: “Sim”. Os dois mudam inteiramente seu itinerário, descem num shopping no centro da cidade e lá os dois  se beijam pela primeira vez, Bia se surpreende com o ímpeto do rapaz, não esperava tanto de um primeiro encontro, Ricardo beija muito bem e se não fosse a “cabeça super centrada, ou a enorme auto-repressão” de Bia, teria acontecido mais do que beijos ardentes naquele encontro.
Porem Rodrigo ainda era um fantasma na vida de Bia, e a garota dá a primeira estocada no coração de Ricardo, ao dizer que não adiantava, que ainda gostava do outro, mas isso não atrapalha muito o primeiro encontro deles, embora tenha sido um balde de água fria nas intenções de Ricardo.
Passa-se o tempo, apesar de ainda estar apaixonada por Rodrigo, Bia sente falta de Ricardo, ou seria a baixa auto-estima de Bia? Ricardo sente a mesma coisa e começa a ligar pra Bia, os dois marcam um encontro, um dia antes dela partir pro interior, iria visitar uma grande amiga sua, mais uma vez marcam um encontro num shopping e mais uma vez não fosse por Bia, as coisas teriam ido além, muito embora Ricardo nunca tivesse avançado o sinal e respeitasse o espaço de Bia. A imprudente garota comete um erro que iria acabar de vez com as chances de um relacionamento duradouro entre ela e Ricardo.
Dois anos se passam desde esse dia, quando menos espera, encontra uma amiga sua, Raquel, as duas começam a conversar no trem, e a garota conta a novidade: estava namorando, advinhem quem? Exatamente, Ricardo, Bia entende tudo, era por isso que ele não a procurava mais, e ela não pôde deixar de sentir um gostinho de derrota nesse acontecimento. Liga pra pedir satisfações, e qual não é a sua surpresa quando Ricardo lhe responde: “Você não quis casar comigo, eu fui namorar com ela”.
Bia não se contem, era muito pra ela agüentar, além do que neste ínterim descobre a verdade sobre Rodrigo, nunca poderia faze-lo feliz, nenhuma mulher poderia faze-lo feliz, era gay, depois de sete anos, resolve contar a verdade a ela.
A garota resolve ir à forra, pagar a dívida que tinha com Ricardo e consigo mesma, marca um encontro com ele no dia do seu aniversário, estava tudo certo, quando ele liga dizendo que não seria possível dos dois se encontrarem já que teria que contar com a disponibilidade de Raquel, afinal seria embaraçoso se ele saísse sem ela. Bia não encontra outra alternativa do que aceitar a recusa de Ricardo, ou melhor engoli-la, ela sente que merece.
Bia não desiste, marca um novo encontro com Ricardo, mais uma vez ele desconversa, mas no fundo Bia exercia um certo poder sobre o rapaz, que diz que iria falar com Raquel, marcar um dia para se encontrarem. Bia é taxativa: “Não havia pensado em nada com Raquel”. Ricardo entende o recado e, apesar de todo o discurso de fidelidade, o dia termina num quarto de motel, onde os dois têm um encontro surpreendente, matando a vontade que já os consumia há muito tempo, era o que Bia precisava pra se sentir vitoriosa, havia dobrado a resistência de Ricardo, que afinal não era muita.
            Uma coisa Bia tinha que admitir, Ricardo foi o primeiro e único rapaz com quem Bia se sentiu realmente amada e respeitada e que a fez esquecer seus complexos, principalmente os sexuais, Bia não tinha vergonha de se mostrar para ele, mas pagaria um preço bastante caro por isso. Ricardo daria o troco.
            Depois de tudo o que aconteceu, pela primeira vez o coração de Bia balançou, achou realmente que estava apaixonada por Ricardo, e o mesmo se aproveitou da situação, sabia que Bia estaria vulnerável, e então dá o golpe final. Queria Bia só pra sexo, afinal com Raquel, apesar dos anos de namoro, nunca tinha feito amor com ela, Raquel é evangélica e acredito que seja esse um dos motivos pelos quais ele estava a ver navios com ela. Ricardo chega a insinuar que se não fosse pra transar que não valia a pena se encontrarem, Bia, decepcionada, resolve dar um basta nesta situação, afinal não era suplemento alimentar, não serviria de complemento para o relacionamento dos dois, se era sexo que ele queria que arrumasse alguém para satisfaze-lo, que pagasse, afinal não faltariam mulheres pra isso.
            Bia percebe então que tem alguma coisa errada nos seus relacionamentos com outros homens, descobre, ou melhor, resolve dar vazão a um outro lado que até então, havia deixado escondido, as suas semelhanças com Rodrigo eram maiores do que imaginava, mas isso é assunto para um próximo capítulo.
“A Hora da Virada”
Ana Carolina

Pode ir se preparando,
Se arrumando,
Que agora eu quero mesmo é te desarrumar.
Pode ir me aguardando, eu to chegando
E to com tudo pronto pra te incendiar
O amor ta me seguindo, me botando na parede,
Agora não tem jeito eu vou acelerar,
Eu vou chegar com tudo, vou te pegar de jeito
Você não vai ter tempo nem pra respirar.
Mas eu não vou te esperar, se você não resolver
Se tem medo de me acompanhar
Pode deixar, eu me mando sem você.
Capítulo Três : A Grande Virada
Como já devo ter comentado anteriormente, se não fiz, faço agora, os relacionamentos de Beatriz com outros homens, sempre foram um tanto quanto complicados, uma série infinita de desencontros, Bia até então não entendia muito bem porque seus quase namoros nunca davam certo, sempre ficavam só no quase.
Bia queria ter um relacionamento firme, se entregar de corpo e alma a uma paixão, porém, confesso que nessa época era mais de corpo mesmo, mas não obstante o desejo, quando imaginava as implicações de tudo isso, a garota recuava aterrorizada, quando imaginava ter relações com outros homens, penetração etc...,tinha vontade de sair correndo.
Mais uma vez a terapia foi essencial para entender o que acontecia com ela, o terapeuta, por sua vez foi taxativo, “Bia, você é lésbica”.
A garota pensa no que isso significa e nos problemas que teria que enfrentar dali pra frente, o primeiro deles era encarar aquela realidade que ela tinha feito tanto esforço pra esconder, ou melhor pra fingir que não estava ali, que não existia.
Apesar de saber de toda a briga que teria que comprar pra se assumir, principalmente com a família, Bia começou a entender várias coisas que antes não compreendia, e que a faziam sentir-se praticamente um ser de outro planeta.
Entendeu as suas fugas, a aparente despreocupação com o namoro, o pavor que ela sentia das relações sexuais e a total falta de prazer quando transava com outros homens, que diga-se de passagem não foram muitos. Quase ao se formar na faculdade, Bia tem sua primeira relação sexual, meio tarde para as mulheres da sua geração.
Conhece um rapaz, por meio de outro amigo seu. Ele, diz-se interessado por Bia, que acha que seria só uma ficada, um envolvimento sem maiores implicações, engano seu, ele queria leva-la pra cama, algo que Beatriz mais temia.
A garota tentou de todas as formas  desvencilhar - se, bateu o pé, disse que não queria, mas as carências e a curiosidade falaram mais alto e ela acaba cedendo. No dia seguinte, Bia sente-se mal, uma espécie de sensação de “templo profanado”, não que ela se sentisse uma santa, alguém que havia acabado de perder sua “pureza”, era algo mais profundo, o templo profanado ali, era sua alma, que mesmo sem saber se revoltava com aquela situação. Bia ainda manteve outras relações, com outros homens, mas essa situação não durou muito tempo, pois se tornou algo forçado, imposto, e ela não quis mais.
Já nesta época, ela quis entender o que eram aquelas coisas que seu terapeuta falava, Bia vai então numa balada GLS, uma balada só de meninas, até então tinha ido numa para meninos e não gostou muito. Foi num barzinho, na cidade onde morava, e lá conheceu algumas meninas, entre elas Marissol, a primeira mulher que entrou na sua vida, e, no primeiro beijo, todas as dúvidas de Beatriz se dissiparam, e uma certeza se fez, era aquilo que ela queria pra sua vida, os beijos foram se tornando mais intensos e só não terminaram na cama, porque o barzinho fechou antes e a moça teria que trabalhar no dia seguinte. Qual não foi a coincidência quando Beatriz reencontra Marissol na loja onde ela trabalhava, na cidade onde Bia nasceu, a menina a reencontra casualmente, passando pela avenida principal, ao olhar para dentro de uma loja, eis que encontra Marissol lá dentro. Não parou para conversar, afinal não tinha segurança da reação da outra e por isso resolveu não levar adiante.          
Bia então muda de emprego, vai trabalhar numa repartição pública, conhece ali, Isabel, que vai realmente mudar as coisas na sua vida, fazer com que tenha coragem de colocar em prática coisas nas quais ela nunca havia pensado.        Bia começa a usar táticas pra conquistar Isabel, as duas começam a conversar, ir embora juntas até que Bia dá a cartada final, ou seria o xeque mate? Bom, isso fica pra depois.
Autopsicografia 
                                    
O poeta é um fingidor. 
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor 
A dor que deveras sente. 

E os que lêem o que escreve, 
Na dor lida sentem bem, 
Não as duas que ele teve, 
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda 
Gira, a entreter a razão, 
Esse comboio de corda 
Que se chama coração.
Fernando Pessoa

Capítulo Quatro: Jogo de Sedução
As coisas entre Isabel e Beatriz caminhavam muito bem, as duas já estavam mais próximas, mas ainda faltava algo para que a nossa protagonista realizasse seu desejo: faltava tornarem-se íntimas.
Eis que ela então descobre um pretexto, Beatriz tem vontade de aprender a jogar xadrez e Isabel sabe jogar, afinal estava ensinando um grupo de garotos na escola, Bia faz-lhe um pedido, quer que Isabel lhe ensine, mas fora dali, para que as duas pudessem ter mais privacidade, não queria que ninguém as incomodasse.
Bia prepara um jantar, nada muito complicado, afinal tinha outros detalhes em que pensar, separa uma garrafa de vinho para criar um clima, alguns aperitivos e espera a chegada de Isabel, nada que tivesse lhe dado muito trabalho.
Apesar de não ter esperança nenhuma, Beatriz está ansiosa e quando a campainha toca, ela, num misto de medo e ansiedade vai receber Isabel, que chega com tudo preparado para a aula.
A moça começa lhe ensinando o básico: o movimento dos cavalos, o do pião, o objetivo do jogo, a função da rainha... nisso vão se passando as horas, a fome, enquanto uma necessidade física aumenta, e elas chegam a conclusão de que é hora de parar para comer alguma coisa.
Bia, como boa anfitriã, abre a garrafa e serve o vinho, prepara os aperitivos e os coloca diante de Isabel, não antes sem perder a oportunidade de tocar a moça, ao servir-lhe a bebida eis que está quase abraçada a sua musa.
Seja pelo clima quente de verão, pela empolgação do momento, pelo vinho talvez, o fato é que depois de algumas taças bebidas, numa total aura de sedução, uma espécie de brinde de núpcias, eis que a atração entre as duas se torna irresistível, as duas se beijam, a princípio, um beijo leve, delicado, mas aos poucos torna-se mais intenso, já não são só as bocas que se encontram, mas as mãos também tocam corpos ansiosos por desejos a serem saciados.
Bia acha que está sonhando, mas o sonho torna-se um tanto real, palpável, difícil ignorar as sensações, os lábios de Isabel em sua nuca, seu pescoço, por alguns minutos ela abre os olhos, pra ter certeza de que tudo aquilo era real, sim era verdade, o que ela mais queria, acontecia naquele momento, não havia dúvidas, medos, nem todas as neuras que Beatriz conhecia tão bem, só Isabel, ali, inteira, só pra ela e, apesar de sua pouca experiência com o xadrez, e com o sexo Beatriz declara o xeque mate de Isabel, o rei, ou melhor dizer, a rainha é encurralada, de uma forma maravilhosa, em meio a gritos, sussurros e promessas,  as duas fazem amor e dormem uma nos braços da outra.
Passadas algumas horas, elas acordam e assim como num feitiço eis que o encanto acaba com o despertar. Isabel olha para Beatriz, de uma forma estranha, como que se tivesse consciência de tudo o que tinha acontecido, sente-se perturbada, atordoada, espera Beatriz acordar, enquanto isso tenta colocar seus pensamentos em ordem, Beatriz desperta e então chega a hora da verdade.
Isabel chama Beatriz para uma conversa, e com isso todo o encanto finalmente se desfaz, a moça acaba com todas as suas ilusões, de um futuro feliz, de um relacionamento perfeito, diz-lhe:
- Beatriz, o que aconteceu foi um momento de fraqueza, nunca deveria ter acontecido, não vai poder haver nada entre nós, eu tenho uma namorada, não podemos ficar juntas. Bia quer argumentar, mas percebe que de nada vai adiantar, além do que seria se rebaixar e acabar de verdade com toda a magia do que havia acontecido, Isabel vai embora e deixa Beatriz novamente mergulhada no inferno.
Os dias que se seguem são difíceis para Beatriz, as lembranças dos momentos que passou ao lado de Isabel, a sensação de que não era bem aquilo que ela queria lhe dizer, afinal havia muito amor no que elas haviam feito, para simplesmente acabar com um “foi um mal entendido”.
Beatriz entrega-se a sua própria dor, volta às baladas de final de semana, chegando à casa embriagada e louca, deixa fluir seus instintos mais primitivos e destrutivos, parece que está feliz, mas tudo não passa de artifícios para esconder as lágrimas que verte na solidão de seu quarto.
Depois de algum tempo, de quase embarcar em sua própria depressão, eis que Beatriz encontra forças pra reagir, suas lágrimas não iriam resolver aquela situação, iria esperar, um dia a vida se encarregaria daquela situação, esperaria, mas não deixaria de viver, e nesta busca de alguém pra preencher seu vazio Beatriz encontra Márcia...

Capítulo Cinco: As Rainhas de Copas

            2007, 16 de Novembro, um dia depois do feriado, Beatriz conhece Márcia, num barzinho perto de onde mora, as duas conversam, se conhecem e acabam ficando.
            Márcia tem os mesmos objetivos que Beatriz, pelo menos no que compete a encontrar alguém, ela quer uma namorada, as duas resolvem investir nesta relação, foi uma experiência nova, Beatriz nunca tinha namorado alguém, só alguns casos sem importância, estranhou no início, mas ainda sim resolve levar as coisas adiante.
            Márcia mostra-se muito ciumenta e insegura, quer colocar rédeas em Beatriz, regular seus horários, com quem anda, fala, além do que ela tem um filho, o que dificultou um pouco as coisas.
            As duas são do mesmo signo, porém não são nem um pouco parecidas, apesar de Márcia achar que eram. Beatriz, não queria ficar presa e, percebia que cada vez mais ela queria prendê-la, além do que tinha que suportar as crises de ciúme e insegurança de Márcia.
            Conforme esperado, o relacionamento delas não dura três meses, e em fevereiro de 2008, elas terminam, ou pior, não terminam, e o envolvimento que tinham termina naquela: qualquer dia a gente se fala,  esse dia nunca chegou.
            Pensando bem, foi até melhor, Bia não estava apaixonada por Márcia, sentiu o fim do relacionamento, com certeza, afinal não é tão insensível assim, mas nada que não pudesse ser superado.
            Passado este período Bia, fica sozinha por um longo tempo, somente alguns casos sem importância, uma transa de uma noite e uma tentativa com uma garota da faculdade, a qual acabou te dando um fora, desconfio, por ela não ser o que a outra esperava.
            A solidão de Beatriz começa a incomodar, ainda mais quando ela começa a ver que todas as suas amigas, conhecidas, lésbicas inclusive tinham encontrado alguém, pergunta-se então: o que há de errado comigo? Por que não consigo encontrar uma pessoa legal pra mim? Talvez por que, ainda pensasse em Isabel, acho que bem lá no fundo ainda pensa, e pra piorar a situação, ela ainda tem que conviver com homens que ficam dando em cima, a situação não podia ser mais tediosa.
            Bia, então, depois de muito tempo, resolve investir num outro relacionamento, será que vai dar certo?

CAPÍTULO SEIS: Uma segunda chance

Depois de mais um tempo na sua geladeira existencial, eis que Bia conhece Iris, como a deusa grega, que não era grega e nem um pouco deusa, mas que possibilitou a Bia, uma segunda chance no amor.
As duas se conhecem graças aos milagres da tecnologia, já que Bia havia se cadastrado num site de relacionamento entre lésbicas (sala de bate papo já não dava para ela, tudo era muito fútil, vazio).
Na verdade foi Iris que a achou, pois as duas moravam na mesma cidade e isso despertou a curiosidade da “quase deusa” pela nossa heroína.
Íris era uma moça legal, inteligente, bom papo, mas Bia sentia que faltava nela alguma coisa, talvez procurasse a mulher ideal, ou Isabel, ou as duas coisas ao mesmo tempo.
Só para não se perder o costume e um pouco porque Bia esperava que fosse dar errado, não sei se de repente torcia para isso, esse relacionamento também não dá certo e, mais uma vez a história não ultrapassa a barreira dos três meses, malfadado trimestre, seus relacionamentos obedeciam quase que um contrato de trabalho, só faltava a carteira assinada das namoradas, análise de currículum e outras coisas.
A distância também foi separando as duas, compromissos, medo por parte de Bia de que alguma coisa fosse descoberta e por fim, o tempo, semanas sem se ver transformaram o relacionamento amoroso numa amizade somente, mesmo que a aliança no dedo dissesse o contrário.
Apesar das lágrimas e do discurso de Íris de que nunca mais iria ter ninguém na sua vida, eis que pouco tempo depois ela já estava de namorada nova e muito bem por sinal, o amor da deusa por Bia não era tanto assim.
CAPÍTULO SETE: Uma nova chance ao amor

Depois deste tempo, Beatriz passa aproximadamente um ano e meio sozinha, nesta altura de sua vida já está com quase trinta anos, uma balzaquiana e resolve que ela, sua vida é mais importante do que qualquer coisa, começa então a refletir sobre o que vem fazendo até então, seus amores, seu trabalho, tudo passa a ser questionado, até mesmo o seu lado, “o que os outros irão dizer”. Percebe que ela é mais importante, afinal, um dia todos irão embora, inclusive a própria e aí o que teria acontecido? O que teria feito de bom para si mesma? Será isso verdadeiramente amor? Afinal, para se amar alguém precisamos primeiro nos amar, não é verdade? Será que o certo é terminar como o famoso personagem de Machado de Assis. “Não criei o emplastro, não fui ministro, mas também não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”. Será que é para isso que estamos aqui? Acredito que precisamos deixar a nossa marca, seja ela qual for, boa ou ruim, algo para que as pessoas se lembrem de nós quando não estivermos mais aqui, mas, voltando ao assunto, Bia resolve se dar uma chance, um dia, num primeiro dia do ano, ela, depois de uma ressaca, resolve que é hora de se deixar ser feliz.
Beatriz já vinha conversando com uma moça, diga –se de passagem, bem mais velha do que ela, mas isso não importa, o que é fato é que ela se interessou, as duas começaram a se falar pelo MSN e eis que neste dia de ano Bia resolve ir até sua casa, numa cidade a qual ela só ouvira falar pela televisão e pela fama, e às vezes esteve por lá de passagem, ela então lhe pergunta se a outra estaria ocupada, pois estava pensando em ir para lá no dia seguinte, imagine propor isso, quando se está morrendo de dor de cabeça, mas voilà, faz parte do show, e então ela se foi para essa nova cidade, sem ter a mínima ideia de como chegar lá, nem de como voltaria, nem se daria certo a empreitada, mas ainda sim ela foi.
As duas vão então a um shopping na cidade, e começam a conversar para se conhecerem melhor, quando Bia percebe já são oito horas da noite, ela pensa que não terá problema nenhum em voltar para casa, retorna a rodoviária e, qual não é o susto quando percebe que não havia mais ônibus para voltar. Pensa então, o que faço? Tenho que trabalhar no dia seguinte, e, numa das manobras mais impressionantes da sua vida, consegue então voltar para casa, com a ajuda de dois ônibus e um taxi, já que quando chegasse em sua cidade não haveria mais nenhum ônibus, para voltar a seu bucólico bairro.
No outro dia, ela acorda, cansada, mas feliz, e com a promessa de um novo futuro pela frente.
As duas então iniciam um namoro, percebem que têm muitas coisas em comum.
Porém o cotidiano vai mostrar o contrário, Bia tem uma vida agitada, está prestes a mudar o rumo de sua carreira, e vamos combinar que isso causa algum stress e elas começam a se afastar, as visitas de Bia ficam mais escassas, e um dia, próximo ao réveillon, ela recebe um convite para ir passar a virada de ano num acampamento com sua namorada, não gosta muito da ideia, mas resolvi ir mesmo assim, (maldita hora em que não ouviu a sua intuição). O passeio é um fracasso, pelo menos para Bia, o fim de semana termina em lágrimas com ela voltando para casa arrasada, isso sem contar com a impressão de que a melhor amiga de sua namorada estava sorrindo por dentro com o fim do relacionamento, afinal ela nunca foi com a cara de Bia, não sei o porquê, já que todos os outros amigos da namorada a adoram.
Passado uns dias deste, ensaio para o fim, Bia liga novamente para a namorada e pede para elas voltarem, afinal já haviam passado um ano juntas e vivido algumas coisas legais e de repente, poderiam tentar de novo.

As duas recomeçam o namoro, agora sob uma nova perspectiva, afinal não se podia pensar em recomeço sem analisar o que havia dado errado.
Elas conversam e estabelecem como serão as bases desse namoro, seus desejos e suas necessidades.
Nilce, esse é seu nome tem uma vida mais “tranqüila” se é que podemos chamar assim, é trabalhadora autônoma, portanto, tem maior liberdade para fazer os seus horários, o que já não acontece com Bia que, tem suas horas contadas pra tudo, nessa nova profissão de professora ela precisa de tempo para se organizar e preparar suas aulas, e isso ela consegue fazer no espaço antes da hora de ir para a escola, o que faz com que sobre pouco tempo pra Nilce.
Por morarem em duas cidades diferentes, com um certo problema de horário entre elas, as garotas nem sempre podem se ver com freqüência, afinal, os compromissos por vezes coincidem e fazem com que Bia não consiga ir visitá-la, já que em sua casa ela sabe que Nilce não será bem vinda.
Esse fato então gera os desentendimentos entre as duas, as cobranças e até as dúvidas de Beatriz com relação ao rumo que esse relacionamento está tomando, Nilce fala em casamento, Bia já não tem tanta certeza, apesar de reconhecer que sente algo a mais por ela e de quanto foi sofrida a primeira separação (foi a primeira vez que Beatriz voltou atrás numa decisão), ela sente que Nilce ainda não é o grande amor da sua vida e confessa que espera que ele chegue, talvez por isso as dúvidas, Nilce, por sua vez, questiona-se se é a pessoa certa para Bia o que de certa maneira também é uma dúvida também. Será que ela não merece uma pessoa melhor? Quem será essa pessoa? Não seria melhor estar com alguém que a ame, apesar dos problemas e da distância do que ficar sem ninguém? E o medo de ficar sozinha novamente? Não valeria a pena arriscar? Todas essas dúvidas passam pela cabeça de Beatriz, mas isso é assunto para um próximo momento.

EPÍLOGO

Contar toda essa história parece ter sido fácil, porém é um grande engano, não é somente narrar fatos de uma vida, é mexer com lembranças e cutucar feridas que pensamos que já haviam criado cascas e cicatrizado, porém foi um caminho necessário para que eu entendesse tudo o que aconteceu meus sucessos, meus fracassos, perceber que tudo foi uma grande experiência que fez com que eu me tornasse o que sou hoje, uma pessoa forte, não sabe, mas uma pessoa vivida e acho até que com bastante experiência de vida apesar dos meus trinta e um anos.
Será que realmente existiram vítimas e algozes? Hoje, depois de muito analisar essa situação, percebo que não, se sofri com tudo aquilo, se as pessoas de certa forma me usaram foi porque eu também deixei que me usassem, que me ferissem, afinal ninguém faz nada conosco que não queiramos, que não permitimos que façam.
Tudo isso me fez entender e aceitar o que passou. Perdoar? Não sei, mas talvez ver com outros olhos, menos duros, todo esse trajeto.
Vivenciar tudo isso foi uma espécie de catarse para mim, depois de tudo isso sinto-me mais leve e mais forte para enfrentar o que quer que seja, sem me fazer de vítima das circunstâncias, como diria aquela música.
Fez com que eu entendesse que tudo na nossa vida são experiências, mesmo as ruins e não é da boca para fora, realmente eu vivi e aprendi muito com tudo isso, inclusive o que eu quero e o que não quero mais, cresci, não sem dor, mas mesmo ela trouxe boas histórias para contar.
Mais do que uma história de amores correspondidos e não, é uma história de vida e em qual história de vida também não se encontra uma história de amor?
Depois de tudo, penso que cresci e amadureci como pessoa, é lógico que ainda com alguns problemas que ainda precisam ser resolvidos, mas quem não os tem e talvez esse seja um assunto para um próximo livro.
Até mais!