sábado, 26 de junho de 2010

O epitáfio dos robôs: relato de duas adolescências perdidas

Existem histórias que merecem ser contadas, outras esquecidas, ainda há aquelas que merecem ser relembradas.
Acredito que essa história se encaixe um pouco nestes três casos.
Merece ser relembrada para que com isso possamos aprender e não incutir em novos erros. Contada, para que nosso exemplo possa servir de aprendizado para outras pessoas, para que elas possam, através do que lêem aqui, analisar seus comportamentos e discernir o que querem e o que não querem para suas vidas, o que estão fazendo com essa estadia gratuita dada aos seres humanos no Planeta Terra; digo gratuita, pois que financeiramente não lhes é cobrado nada para viver.
Merece também ser esquecida, depois é claro de tirarmos dela tudo de bom que tenha para nos oferecer, para evitarmos com isso que os acontecimentos ruins, venham a nos contaminar com mágoas, pois como diriam aqueles que sofrem da síndrome de Pangloss: “podemos tirar algo de bom das piores coisas”, ou é quase essa a idéia.
Procurarei contar essa história da forma mais leve possível, já que só o fato de relembrá-la possa parecer um exercício muito penoso para esta que vos fala.
Começo então apresentando as personagens que ilustrarão esta pequena farsa ou comédia, depende de como encarar.
A minha história é composta basicamente de quatro personagens, pode ser que no decorrer da trama apareçam mais algumas, mas no momento é só delas que consigo me lembrar: Envaidecida, Divinana, JR 1982 e AP 1981.
A primeira personagem: Envaidecida é uma senhora de aproximadamente 50 anos, embora pareça ter mais 10 em cima dela. Ela é diretora de uma pequena associação de assistência, era sociedade, mas por conta as mudanças no Código Civil Brasileiro essa sociedade tornou-se Associação, uma espécie de ONG que tem como objetivo ajudar os mais necessitados ou pelo menos tinha essa função até a Senhora Envaidecida assumir o seu comando.
A segunda: Divinana, jovem, aparentemente agradável sem ser bonita, é uma espécie de fiel escudeira da Envaidecida, pronta a reproduzir e colocar em prática todas as ordens da aprendiz de ditadora.
Os outros dois personagens JR 1982 e AP1981 são os robôs citados no título da história, que tiveram suas vidas entrelaçadas e enredadas de uma certa maneira, durante algum tempo por estas duas outras personagens.
Apresentadas as personagens e o espaço, é interessante falarmos sobre o tempo, afinal toda boa história que se preze é composta de espaço, tempo e personagens, além de um bom enredo é claro.
1998, junho, estamos no inverno, pelo menos neste país em que vivemos; até então Envaidecida não tinha se tornado tão poderosa, ou pelo menos não parecia tão perigosamente nociva e sua amiga Divinana ainda carregava alguns traços de humanidade.
JR 1982 era somente uma personagem obscura, escondido atrás de outros robôs mais obscuros ainda, dentro daquele pequeno grande mundo.
AP1981 era um robô novo ali, tinha acabado de chegar de outro lugar, outro planeta até, e imediatamente tornou-se amigo de JR1982, pois o pequeno robô, mostrou-se mais receptivo a ele que estava chegando, pelo menos no início, serviu-lhe como porta de entrada naquele mundo.
Durante algum tempo JR1982 e AP1981 foram seguidores das idéias da Envaidecida, mas, conforme os anos passavam, uma luz começou a acender dentro deles, como a alertar que alguma coisa estava errada, eles só não sabiam o que.
Os dois fizeram de tudo ali dentro, as pessoas que freqüentavam o lugar chegavam a pensar que se algum dia aqueles dois robozinhos não estivessem ali, aquela pequena empresa não existiria.
JR 1982, ou Jotinha, como podemos carinhosamente chama-lo, um belo dia foi convidado a fazer parte da cúpula que compunha aquela empresa e desempenhou muito bem o seu papel, como tudo que costumava fazer e, praticamente, depois de algum tempo, entregou seu cargo nas mãos de AP1981, a mesma função, o mesmo lugar, apesar de todas as objeções do Pezinho, ele não queria tamanha responsabilidade e tentou, até o último momento, fugir dela, mas, mais uma vez a Envaidecida o persuadiu a aceitar, ela dirá o seguinte:

- Meu querido AP1981, você tem que aceitar esse cargo que estamos oferecendo, é a nossa última esperança, o JR 1982 não vai mais querer continuar e a Divinana vai ter coisas mais importantes a fazer pela nossa casa. Eu também não queria aceitar o cargo que me foi oferecido, de presidente, mas percebo que a nossa atual líder, Maria, não é mais capaz de levar suas responsabilidades à diante, mas ela não estará de fora, somente num cargo mais de acordo com sua disponibilidade, (diga-se inferior). Encontramos aí a Envaidecida mostrando suas garras.
Depois de muito pensar, mesmo agindo contra sua vontade, AP1981 aceita a proposta que lhe foi oferecida, mas só muito depois é que vai ter a noção exata do que tinha feito e das conseqüências de sua aceitação.
AP1981 continua seu trabalho, fazendo as mesmas coisas que fazia antes, o novo cargo não lhe mudou em nada, ou quase nada, pois se houve alguma mudança foi somente no aumento de suas perturbações.
Essa nomeação, no entanto foi extremamente importante, um divisor de águas na vida de AP1981 que começara já se questionar a respeito de algumas coisas que aconteciam ali, principalmente, das idéias repressoras e narcisistas da Envaidecida.

- João Roberto foi outro, com suas idéias, queria trazer para si todos os meus súditos, abrir suas mentes, faze-los pensar! Isso é um absurdo! Como se não bastasse, assumiu-se homossexual, publicamente, para quem quisesse ouvir. Não! Como poderia deixar o futuro da minha empresa na mão de um desviado?
- Coloquei – os para fora como cães! E Coloco quem mais ousar me enfrentar. Aquele Macabeu que não se atreva, anda com umas idéias estranhas; deve ser a má influência do João Roberto.
Macabeu não esperou mais, afinal tornou-se insuportável toda aquela situação, queria só uma chance para fugir dali, sem causar estardalhaço, mesmo porque guardava um segredo contigo, a oportunidade, eis que ela surgiu, Macabeu mudou-se, foi morar em outra cidade e ficou muito complicado continuar seu trabalho, afinal dependia do transporte público e fazia outro curso cedo, se quisesse continuar, teria que ficar o dia todo fora.
Macabeu, decide abandonar tudo aquilo, no início sentia-se estranho, não estava acostumado com tamanha liberdade, com o tempo sentiu-se aliviado e pode-se dizer até feliz.
Da sua adolescência perdida, não teve muito mais o que fazer, só se conformar, não podia voltar no tempo, já estava feito, só lhe restava saber o que fazer com sua vida dali pra frente, a mesma sensação era compartilhada por João Roberto.
De JR1982 e AP 1981 restaram somente as carcaças enferrujadas, danificadas, que foram definitivamente sepultadas . Nas suas lápides a mesma inscrição marca a passagem do tempo para esses dois seres:
“Aqui jazem dois Espíritos sem Alma”

Nenhum comentário:

Postar um comentário