PRÓLOGO
É fato comum que as pessoas gostem de relatar suas
vidas, temos um prazer quase sádico de falar de nós mesmos, nossas memórias,
peripécias e porque não dizer, tristezas. Comprazemo-nos com elas, e adoramos
quando as outras pessoas também o fazem, principalmente se ao se virem
solidárias com nossas mazelas, nos dão o colo que não raras vezes precisamos.
Também não é segredo pra ninguém que
escolhemos meios de contarmos essa história, como se ao fazermos isso, nós
pudéssemos ler de uma outra forma, do começo ao fim, do fim ao começo, de trás
para frente e até do avesso.
Eu, ao contrário, não farei um
relato cronológico, racional da minha vida, contarei a minha história sim, um
pedaço dela, mais exatamente os últimos cinco anos, que acredito serem os mais
emocionantes, já que várias coisas aconteceram, desde o ingresso na
Universidade, o início de uma terapia, na busca angustiada de um caminho
próprio, e até, a descoberta, ou seria melhor dizer, o assumir de uma nova
condição sexual. Realmente foram muitas emoções para cinco anos apenas.
Essa primeira página serve para
explicar todas as outras que virão, inclusive o modo como escreverei essa
história e, para fugir ao egocentrismo, não usarei meu nome, nem citarei o nome
de pessoas próximas, não seus nomes reais, todos seremos personagens, criaturas
inventadas para essa grande obra, que por vezes terá momentos de tragédia,
comédia e porque não dizer, romance.
Quem ler esta obra, pode estranhar o
título, o qual é no mínimo inusitado, mas é muito fácil de explicá-lo, meu
livro leva este nome devido a um sofá cama que me serviu de abrigo nos dias em
que dormia no alojamento da faculdade, graças à generosidade de um grande amigo
meu, ele me deixava dormir lá quando saia tarde da noite da aula. Ah! Prometi a
ele que um dia escreveria estas memórias.
Dadas todas essas explicações, vamos
a história, garanto que tenho muitas coisas a contar.
Boa
viagem!!!!
Beatriz
(Edu
Lobo/Chico Buarque)
Olha,
será que ela é moça
Será
que ela é triste
Será
que é o contrário
Será
que é pintura
O
rosto da atriz
Se
ela dança no sétimo céu
Se
ela acredita que é outro país
E
se ela só decora seu papel
E
se eu pudesse entrar na sua vida.
Olha,
será que é de louça
Será
que é de éter
Será
que é loucura
Será
que é cenário
A
casa da atriz
Se
ela mora num arranha-céu
E
se as paredes são feitas de giz
E
se ela chora num quarto de hotel
E
se eu pudesse entrar na sua vida
Sim,
me leva para sempre, Beatriz
Me
ensina a não andar com os pés no chão
Para
sempre é sempre por um triz
Ah,
diz quantos desastres tem na minha mão
Diz
se é perigoso a gente ser feliz
Olha,
será que ela é uma estrela
Será
que é mentira
Será
que é comédia
Será
que é divina
A
vida da atriz
Se
ela um dia
Despencar
do céu
E
se os pagantes exigirem bis
E
se um arcanjo passar o chapéu
E
se eu pudesse entrar na sua vida
Capítulo I: Os anos, nem tão dourados assim, de faculdade.
Toda história, seja ela drama,
comédia, romance ou tragédia, tem um herói ou uma heroína, ou vários heróis,
essa vai ter uma heroína, uma frágil e dócil garota do interior, Beatriz, a
qual irá contar a sua aventura na cidade grande, durante os anos de faculdade.
Primeiramente vou contar a vocês
quem é essa garota, seu histórico de vida, de onde veio, para onde foi, idade,
sentimentos e expectativas.
Beatriz, 24 anos, nascida na pequena
e distante cidade de Buzolândia, veio à capital para cursar uma faculdade,
Artes, seu sonho era ser uma grande artista, escritora, roteirista, tudo que
envolvesse palavras e sentimentos a atraia, nunca gostou de desenhar, mas
quando de posse de papel e lápis conseguia chegar aos corações de todos os
quais mantivesse contato.
Ao adentrar os arcos acadêmicos, a
primeira desilusão, nada daquilo era como ela pensava, não que tivesse entrado
iludida, sabia perfeitamente que as coisas não seriam fáceis, mas não imaginava
que pudessem ser tão ruins, seu primeiro ano foi terrível, o fim das primeiras
ilusões e a primeira frustração, ela não conseguiu estar onde queria.
Antes de qualquer coisa vamos abrir
um parêntese, essa era a segunda faculdade que a nossa heroína freqüentava,
totalmente diferente da primeira, tinha a impressão de que havia saído do forninho
direto para um freezer, tamanha a diferença de tratamento entre as pessoas nas
duas realidades. Tinha saído de um lugar onde havia feito muitas amizades e até
um candidato à “grande amor de sua vida” (nunca chegou a sê-lo, embora o mesmo
tivesse tentado, ou ela achava), para outro onde ninguém se importava com o
outro, nem com nada, a própria vida e saúde banalizadas, aquela realidade a
assustou, afinal gostava de ter sempre amigos por perto, ainda que não fossem,
foi obrigada a aprender a se manter sozinha e ficou assim durante muito tempo.
Passou-se o primeiro ano, os traumas
agora tornam-se menores, ou será que se acostumou a eles? Não se sabe, temos a
horrível tendência a nos habituarmos com as surras que a vida nos dá, ao invés
de lutarmos contra elas e tentar fazer tudo diferente. Descobre então que as
coisas não são tão ruins assim, e também que não era aquilo que queria, até
aquele momento não sabe exatamente o que quer, mas pouco importa, Bia, assim
que passarei a chama-la de agora em diante, estava ali mais por competição e
também para agradar um certo alguém que até então considerava o grande amor de
sua vida, o que fez com que o outro não tivesse se tornado.
O freezer já não era mais tão
gelado, tinha feito alguns amigos, com os quais mantém contato até hoje,
amizades sinceras com as quais ela pôde contar nos seus momentos mais
traumáticos.
Chegamos ao segundo ano, agora as
coisas já estão mais fáceis, Bia então decide cursar um outro idioma, ele
sempre gostou disso, opta então pelo italiano, “ a língua de Dante”, sente-se a
própria musa do poeta do “trecento” e, acredito até que seja, já que assim como
a grande musa mergulhou até os infernos para resgatar o poeta, assim também ela
fez, mas pra resgatar a si própria.
Não se pode dizer que não tenha
gostado da experiência, de certa maneira precisava passar por isso, houve até
pessoas que apostaram que seria esse o caminho que seguiria, embora nem a mesma
tivesse essa consciência.
Terceiro ano, a fase de adaptação ao
meio inóspito já passou, mas ela já estava cansada, depois do primeiro, este
foi o mais difícil, é nesse período também que ela percebe que a sua luta
estava perdida, nunca teria seu “grande amor” não sabia ainda o porquê, embora
desconfiasse, era conveniente para ela acreditar nas coisas que ele dizia,
nossa heroína então decide se afastar, não queria que as coisas piorassem, não
se feriria mais por causa dele.
Este ano também foi o qual ela mais
mergulhou nos estudos, estudava de manhã, à tarde e em alguns dias até a noite,
sem esquecer, contudo de seu trabalho, precisava fazer algo com que pudesse se
manter estudando, seus pais nunca a ajudaram muito, seu pai nunca lhe
perguntava se estava precisando de algo, achava até que gastava demais, afinal,
enquanto estivesse estudando, gastaria o dinheiro e não poderia ajudar em casa,
e era só isso que lhe interessava, afinal não via a filha, mas sim as cifras
que ela poderia render e que no momento não rendia nenhuma.
Bia começa a trabalhar na faculdade,
o salário até que não era ruim para uma estagiária, e aumentaria conforme ela
avançasse nos semestres, adorou a idéia, e gostava ainda mais do trabalho, pois
fazia com que estivesse em contato com o que ela mais gostava, os livros e as
artes, além de ser um ambiente tranqüilo, próprio para reflexão, que era um
pouco o que ela precisava. A garota foi premiada pela sua dedicação, os dias
sem almoçar, sem dormir direito, demitiram-na após o quarto mês de serviços
prestados e ela ficou sem saber o que fazer, não tinha nada em vista e
precisava de dinheiro, chegou em casa desesperada e diria até que revoltada,
por mais uma vez ter sido feita de idiota.
Quarto ano, estamos quase no fim do
curso, se tudo corresse bem, e ela torcia que sim, sairia da faculdade no
próximo semestre, até combinou que comemoraria duas coisas juntas naquele ano,
o fim do seu “doce martírio” e mais uma primavera, ou um inverno, o clima não
estava nada primaveril para Bia, esqueci de citar, seu aniversário era em Julho.
Bia não se importava muito mais com
a faculdade, percebeu que, nos momentos em que mais estava tranqüila,
despreocupada e quando, inclusive, não estudava para as provas, eram os
momentos em que se saía melhor, apertou o freio, precisava cuidar um pouco mais
de si, descobrir quem era de verdade.
Primeiro
semestre de 2005. As coisas aconteceram, tal qual Bia havia planejado tudo era
muito óbvio, tinha feito tudo para que esse momento chegasse se dedicado,
abdicado de sua vida, então não foi surpresa quando assinou sua colação de
grau, a partir daquele momento, cortaria seu cordão umbilical com a academia, e
começaria então, um doloroso processo de reencontro consigo mesma, mas, isso é
assunto para outro capítulo.
Capítulo Dois
Olá, caro leitor, bom dia! Ou será
boa tarde? Escolha você no momento em que ler essa história.
No capítulo anterior ficamos
conhecendo um pouco da história acadêmica da nossa amiga Beatriz, um capítulo
importante na sua vida, já que marcou por assim dizer, a sua entrada na vida
adulta e todas as suas desventuras e também alegrias.
Agora, vou explorar um pouco mais as
aventuras amorosas de Bia, seus relacionamentos.
Começo por dizer que a nossa
personagem, nem sempre se preocupou com esse lado da vida, parecia que as
coisas estavam muito bem pra ela e, podemos dizer que, durante o tempo em que
ela estava trabalhando e estudando, não havia muito tempo pra se preocupar com
isso e pode-se até dizer que usava o trabalho e o estudo como pretexto, como um
anestésico para a dor que corroia a sua alma, a solidão.
Não podemos dizer que Bia seja uma
garota bonita, possui uma doçura toda sua, tem um imã natural que atrai as
pessoas a sua volta, porque não dizer que a nossa heroína até que angariou
muitos amigos ao longo da vida, com exceção dos anos dos primeiros estudos,
mas, no que diz respeito aos relacionamentos, ela nunca deu muita sorte, pois
num mundo em que a beleza é no mínimo um bem de consumo, ela tinha que contar
somente com a sua inteligência para conseguir alguma coisa, uma boa conversa,
um papo agradável, e diga-se de passagem, esse tipo de coisa não é muito
valorizada no universo masculino.
Por conta dos seus poucos atrativos
físicos, a vida afetiva de Bia começou por assim dizer, tarde, seu primeiro beijo ocorreu aos treze
anos, quando a maior parte das suas amigas, já tinha certa experiência, algumas
até já tinham seu primeiro filho, mas o que importa dizer deste episódio é que
Bia quis, com esse acontecimento desafiar as “meninas da turma”, dizer que também
podia ter seus casinhos, seu primeiro beijo foi com um dos tipos mais estranhos
da escola, mas pelo menos ela tinha alguma coisa pra contar e, naquele momento
era isso o que mais importava para a adolescente Beatriz.
Quando estava mais ou menos com onze
anos de idade, Bia, encontrou um primo seu, Mateus, e qual não foi sua
surpresa, ao se deparar com o belo rapaz, tão diferente do garoto desengonçado
com o qual brincava na infância, a garota se descobriu apaixonada por ele e aí
iniciou-se seu martírio, pois tinha que esconder o sentimento, já que se achava
culpada, por amar o próprio primo, e a família não ajudava muito nesse ponto,
seu pai a alertou: “primo com prima não pode, Bia”. A garota escondeu seu
sentimento, até o dia em que o mesmo se tornou impossível de esconder, então,
um dia, ele liga pra ele e conta tudo, todo o amor contido durante todo aquele
tempo, ela já tinha dezessete anos.
Bia sofreu muito, achou que ainda não era o momento
de falar, de contar a ele o que ela sentia, chorou, pensou em se matar,
principalmente no dia em que descobriu que Mateus estava namorando, parecia que
seu mundo havia desabado, ela sentiu realmente tudo rodar e se não se apoiasse
na pilastra de sua casa, teria caído, desmaiada.
Então, por conta de seu desgosto, e também por uma
afinidade que Bia possuía com o Espiritismo, começa a freqüentar um Centro
Espírita, em sua cidade, a princípio, participa do grupo de jovens, está
desiludida com a vida e mais uma vez quer encontrar um esconderijo para suas
frustrações, uma desculpa para impedir que sua vida ande, começa a fazer cursos
e a se envolver cada dia mais com a rotina da “casa” e, apesar do seu discurso
de “nunca mais se apaixonar”, conhece Rodrigo, um rapaz diferente, sensível,
inteligente e porque não dizer um tanto quanto petulante, mas que vai aos
poucos, não obstante a sua resistência, conquistando o coração de Bia, mais uma
vez achava que tinha encontrado o príncipe encantado.
Rodrigo era realmente um rapaz muito especial, ele
e Bia descobrem que têm interesses semelhantes, o que faz com que os dois
fiquem cada vez mais unidos e também com que amigos em comum fiquem até
enciumados, e comentários começam a surgir. Seriam Beatriz e Rodrigo namorados?
A amizade dos dois ganha um tal grau de intimidade
que Bia conhece a família de Rodrigo e o garoto a de Bia, e ambas acham que os
dois seriam o par perfeito, a mãe de Rodrigo, até pensa que os dois um dia
poderiam se casar, pobre dona Virginia, chega a pensar que Bia poderia ser a
esposa perfeita para Rodrigo, afinal ela suportava o gênio difícil do rapaz, o
mesmo pensava a família de Bia.
Percebe então que teria um longo caminho para
chegar ao coração de Rodrigo, não seria uma cruzada de pernas ou um sorriso
mais ousado que a faria conquistar o rapaz, começa então a utilizar o que ela
sabia melhor, a inteligência, as conversas entre os dois versavam sobre os mais
variados assuntos, e era incrível como eles sempre tinham assunto, ficavam
horas no telefone sem se cansar e não faltava o que falar, Rodrigo conversava com
Bia sobre tudo, pedia opinião sobre tudo, podia-se dizer que a garota sabia a
cor da roupa íntima de Rodrigo, muito embora, por ser muito teimoso, era sempre
a opinião do rapaz que prevalecia. A garota tinha pretensões de cursar uma
faculdade, mas não era algo muito forte nela, afinal, como era uma garota sem
muitos recursos e principalmente, sem apoio da família, deixa isso de lado, até
que Rodrigo tem a idéia: iriam prestar vestibular para uma faculdade pública e
começam a estudar, marcar encontros de grupos de estudo, Bia descobre um meio
de chegar ao coração de Rodrigo, pelo cérebro, pela inteligência. O grupo de
estudos funciona aproximadamente até a metade daquele ano, mas isso não
importava mais para Beatriz, já tinha conseguido o que queria, tinham se
tornado inseparáveis.
Rodrigo consegue passar no vestibular, entra na
faculdade naquele início de ano, Bia teria que esperar mais um pouco, e apesar
da frustração, consegue algo inesperado, um bolsa num cursinho pré vestibular,
o que lhe dá um ânimo maior e Bia descobre que não era só pra conquistar
Rodrigo que ela queria entrar na faculdade e penso até que se fosse só por isso
a garota não teria conseguido terminar seu curso, como comentei no capítulo
anterior. Bia se descobre no seu curso, não obstante a esperança continuava
ali.
Neste instante vale a pena abrirmos um parêntese
neste episódio amoroso de Bia, a garota não consegue entrar na faculdade que
queria naquele ano, não estaria perto de Rodrigo, não intelectualmente, mas
começa um curso universitário naquele ano, um pouco pra mostrar que também era
capaz, e para conseguir se livrar do seu emprego o qual sentia que não dava
futuro e porque percebeu que já tinha aproveitado tudo que o mesmo poderia lhe
ensinar. Escolheu o curso de propósito, maquiavelicamente: Engenharia Civil,
matutino, o curso menos concorrido da faculdade, com certeza ela entraria e foi
o que aconteceu.
O que Bia não esperava era que poderia encontrar um
novo amor, ou uma tentativa, e eis que ela encontra, Ricardo, um rapaz mais velho,
oito anos a mais do que Bia.
Ricardo era um rapaz persistente, e pode-se dizer
que tinha descoberto uma potencial mina de ouro em Bia, já que enxergou nela
coisas que nem mesmo a garota conseguia
enxergar. Começa então uma campanha para chegar ao coração de Bia, galanteios,
agrados, indiretas um tanto quanto diretas. “Você é muito bonita Bia, mas do
jeito como se veste parece um molequinho”. Ricardo seria o homem da vida de
Beatriz, se não fosse Rodrigo, maldito Rodrigo.
Um belo dia, depois de Bia já ter mudado de
faculdade, cansada da indiferença de Rodrigo, resolve dar uma chance a Ricardo,
dar uma chance a si própria, gostar de quem gosta dela.
Ricardo e mais duas amigas de Bia resolvem
fazer-lhe uma visita na faculdade, eles queriam pedir transferência de seu
curso, não deu nada certo, andaram de departamento em departamento, desde a
faculdade de Engenharia até a fundação responsável pela administração da
faculdade, ninguém deu uma resposta favorável, e, como já estava ficando tarde,
resolvem então ir embora, pegam os quatro o mesmo ônibus, embora os destinos
fossem diferentes, as meninas desceriam no Anhangabaú, Bia, no terminal
rodoviário, Ricardo, no ponto final.
Já decepcionada com Rodrigo e sua indiferença, quer
saber até que ponto Ricardo está levando a sério suas promessas e tem a grande
idéia, espera suas amigas descerem do
ônibus e começa a flertar com Ricardo, diz que já está cansada de sua situação
com Rodrigo, o rapaz sabe de todo o seu infortúnio, Bia resolve dar-se uma nova
chance com outra pessoa.
Ricardo lhe pergunta: “Eu conheço essa pessoa?” Bia
percebe que não adiantava mais esconder e lhe diz: “Sim”. O rapaz pergunta mais
um vez: “Você já estudou com essa pessoa?” Novamente Bia responde: “Sim”. Então
Ricardo faz a pergunta fatal: “Essa pessoa sou eu?”Ela não encontra alternativa
a não ser responder, havia provocado agora que agüentasse. A garota responde:
“Sim”. Os dois mudam inteiramente seu itinerário, descem num shopping no centro
da cidade e lá os dois se beijam pela
primeira vez, Bia se surpreende com o ímpeto do rapaz, não esperava tanto de um
primeiro encontro, Ricardo beija muito bem e se não fosse a “cabeça super
centrada, ou a enorme auto-repressão” de Bia, teria acontecido mais do que
beijos ardentes naquele encontro.
Porem Rodrigo ainda era um fantasma na vida de Bia,
e a garota dá a primeira estocada no coração de Ricardo, ao dizer que não
adiantava, que ainda gostava do outro, mas isso não atrapalha muito o primeiro
encontro deles, embora tenha sido um balde de água fria nas intenções de
Ricardo.
Passa-se o tempo, apesar de ainda estar apaixonada
por Rodrigo, Bia sente falta de Ricardo, ou seria a baixa auto-estima de Bia?
Ricardo sente a mesma coisa e começa a ligar pra Bia, os dois marcam um
encontro, um dia antes dela partir pro interior, iria visitar uma grande amiga
sua, mais uma vez marcam um encontro num shopping e mais uma vez não fosse por
Bia, as coisas teriam ido além, muito embora Ricardo nunca tivesse avançado o
sinal e respeitasse o espaço de Bia. A imprudente garota comete um erro que
iria acabar de vez com as chances de um relacionamento duradouro entre ela e
Ricardo.
Dois anos se passam desde esse dia, quando menos
espera, encontra uma amiga sua, Raquel, as duas começam a conversar no trem, e
a garota conta a novidade: estava namorando, advinhem quem? Exatamente,
Ricardo, Bia entende tudo, era por isso que ele não a procurava mais, e ela não
pôde deixar de sentir um gostinho de derrota nesse acontecimento. Liga pra
pedir satisfações, e qual não é a sua surpresa quando Ricardo lhe responde:
“Você não quis casar comigo, eu fui namorar com ela”.
Bia não se contem, era muito pra ela agüentar, além
do que neste ínterim descobre a verdade sobre Rodrigo, nunca poderia faze-lo
feliz, nenhuma mulher poderia faze-lo feliz, era gay, depois de sete anos,
resolve contar a verdade a ela.
A garota resolve ir à forra, pagar a dívida que
tinha com Ricardo e consigo mesma, marca um encontro com ele no dia do seu
aniversário, estava tudo certo, quando ele liga dizendo que não seria possível
dos dois se encontrarem já que teria que contar com a disponibilidade de
Raquel, afinal seria embaraçoso se ele saísse sem ela. Bia não encontra outra
alternativa do que aceitar a recusa de Ricardo, ou melhor engoli-la, ela sente
que merece.
Bia não desiste, marca um novo encontro com
Ricardo, mais uma vez ele desconversa, mas no fundo Bia exercia um certo poder
sobre o rapaz, que diz que iria falar com Raquel, marcar um dia para se
encontrarem. Bia é taxativa: “Não havia pensado em nada com Raquel”. Ricardo
entende o recado e, apesar de todo o discurso de fidelidade, o dia termina num
quarto de motel, onde os dois têm um encontro surpreendente, matando a vontade
que já os consumia há muito tempo, era o que Bia precisava pra se sentir vitoriosa,
havia dobrado a resistência de Ricardo, que afinal não era muita.
Uma coisa Bia tinha que admitir,
Ricardo foi o primeiro e único rapaz com quem Bia se sentiu realmente amada e
respeitada e que a fez esquecer seus complexos, principalmente os sexuais, Bia
não tinha vergonha de se mostrar para ele, mas pagaria um preço bastante caro
por isso. Ricardo daria o troco.
Depois de tudo o que aconteceu, pela
primeira vez o coração de Bia balançou, achou realmente que estava apaixonada
por Ricardo, e o mesmo se aproveitou da situação, sabia que Bia estaria
vulnerável, e então dá o golpe final. Queria Bia só pra sexo, afinal com
Raquel, apesar dos anos de namoro, nunca tinha feito amor com ela, Raquel é
evangélica e acredito que seja esse um dos motivos pelos quais ele estava a ver
navios com ela. Ricardo chega a insinuar que se não fosse pra transar que não
valia a pena se encontrarem, Bia, decepcionada, resolve dar um basta nesta
situação, afinal não era suplemento alimentar, não serviria de complemento para
o relacionamento dos dois, se era sexo que ele queria que arrumasse alguém para
satisfaze-lo, que pagasse, afinal não faltariam mulheres pra isso.
Bia
percebe então que tem alguma coisa errada nos seus relacionamentos com outros
homens, descobre, ou melhor, resolve dar vazão a um outro lado que até então,
havia deixado escondido, as suas semelhanças com Rodrigo eram maiores do que
imaginava, mas isso é assunto para um próximo capítulo.
“A Hora da Virada”
Ana Carolina
Pode
ir se preparando,
Se
arrumando,
Que
agora eu quero mesmo é te desarrumar.
Pode
ir me aguardando, eu to chegando
E
to com tudo pronto pra te incendiar
O
amor ta me seguindo, me botando na parede,
Agora
não tem jeito eu vou acelerar,
Eu
vou chegar com tudo, vou te pegar de jeito
Você
não vai ter tempo nem pra respirar.
Mas
eu não vou te esperar, se você não resolver
Se
tem medo de me acompanhar
Pode
deixar, eu me mando sem você.
Capítulo Três : A Grande Virada
Como já devo ter comentado anteriormente, se não
fiz, faço agora, os relacionamentos de Beatriz com outros homens, sempre foram
um tanto quanto complicados, uma série infinita de desencontros, Bia até então
não entendia muito bem porque seus quase namoros nunca davam certo, sempre
ficavam só no quase.
Bia queria ter um relacionamento firme, se entregar
de corpo e alma a uma paixão, porém, confesso que nessa época era mais de corpo
mesmo, mas não obstante o desejo, quando imaginava as implicações de tudo isso,
a garota recuava aterrorizada, quando imaginava ter relações com outros homens,
penetração etc...,tinha vontade de sair correndo.
Mais uma vez a terapia foi essencial para entender
o que acontecia com ela, o terapeuta, por sua vez foi taxativo, “Bia, você é
lésbica”.
A garota pensa no que isso significa e nos
problemas que teria que enfrentar dali pra frente, o primeiro deles era encarar
aquela realidade que ela tinha feito tanto esforço pra esconder, ou melhor pra
fingir que não estava ali, que não existia.
Apesar de saber de toda a briga que teria que
comprar pra se assumir, principalmente com a família, Bia começou a entender
várias coisas que antes não compreendia, e que a faziam sentir-se praticamente
um ser de outro planeta.
Entendeu as suas fugas, a aparente despreocupação
com o namoro, o pavor que ela sentia das relações sexuais e a total falta de
prazer quando transava com outros homens, que diga-se de passagem não foram
muitos. Quase ao se formar na faculdade, Bia tem sua primeira relação sexual,
meio tarde para as mulheres da sua geração.
Conhece um rapaz, por meio de outro amigo seu. Ele,
diz-se interessado por Bia, que acha que seria só uma ficada, um envolvimento
sem maiores implicações, engano seu, ele queria leva-la pra cama, algo que
Beatriz mais temia.
A garota tentou de todas as formas desvencilhar - se, bateu o pé, disse que não
queria, mas as carências e a curiosidade falaram mais alto e ela acaba cedendo.
No dia seguinte, Bia sente-se mal, uma espécie de sensação de “templo
profanado”, não que ela se sentisse uma santa, alguém que havia acabado de
perder sua “pureza”, era algo mais profundo, o templo profanado ali, era sua
alma, que mesmo sem saber se revoltava com aquela situação. Bia ainda manteve
outras relações, com outros homens, mas essa situação não durou muito tempo,
pois se tornou algo forçado, imposto, e ela não quis mais.
Já nesta época, ela quis entender o que eram
aquelas coisas que seu terapeuta falava, Bia vai então numa balada GLS, uma
balada só de meninas, até então tinha ido numa para meninos e não gostou muito.
Foi num barzinho, na cidade onde morava, e lá conheceu algumas meninas, entre
elas Marissol, a primeira mulher que entrou na sua vida, e, no primeiro beijo,
todas as dúvidas de Beatriz se dissiparam, e uma certeza se fez, era aquilo que
ela queria pra sua vida, os beijos foram se tornando mais intensos e só não
terminaram na cama, porque o barzinho fechou antes e a moça teria que trabalhar
no dia seguinte. Qual não foi a coincidência quando Beatriz reencontra Marissol
na loja onde ela trabalhava, na cidade onde Bia nasceu, a menina a reencontra
casualmente, passando pela avenida principal, ao olhar para dentro de uma loja,
eis que encontra Marissol lá dentro. Não parou para conversar, afinal não tinha
segurança da reação da outra e por isso resolveu não levar adiante.
Bia então muda de emprego, vai trabalhar numa
repartição pública, conhece ali, Isabel, que vai realmente mudar as coisas na
sua vida, fazer com que tenha coragem de colocar em prática coisas nas quais
ela nunca havia pensado. Bia começa
a usar táticas pra conquistar Isabel, as duas começam a conversar, ir embora
juntas até que Bia dá a cartada final, ou seria o xeque mate? Bom, isso fica
pra depois.
Autopsicografia
O
poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando
Pessoa
Capítulo Quatro: Jogo de Sedução
As coisas entre Isabel e Beatriz caminhavam muito
bem, as duas já estavam mais próximas, mas ainda faltava algo para que a nossa
protagonista realizasse seu desejo: faltava tornarem-se íntimas.
Eis que ela então descobre um pretexto, Beatriz tem
vontade de aprender a jogar xadrez e Isabel sabe jogar, afinal estava ensinando
um grupo de garotos na escola, Bia faz-lhe um pedido, quer que Isabel lhe
ensine, mas fora dali, para que as duas pudessem ter mais privacidade, não
queria que ninguém as incomodasse.
Bia prepara um jantar, nada muito complicado,
afinal tinha outros detalhes em que pensar, separa uma garrafa de vinho para
criar um clima, alguns aperitivos e espera a chegada de Isabel, nada que
tivesse lhe dado muito trabalho.
Apesar de não ter esperança nenhuma, Beatriz está
ansiosa e quando a campainha toca, ela, num misto de medo e ansiedade vai
receber Isabel, que chega com tudo preparado para a aula.
A moça começa lhe ensinando o básico: o movimento
dos cavalos, o do pião, o objetivo do jogo, a função da rainha... nisso vão se
passando as horas, a fome, enquanto uma necessidade física aumenta, e elas
chegam a conclusão de que é hora de parar para comer alguma coisa.
Bia, como boa anfitriã, abre a garrafa e serve o
vinho, prepara os aperitivos e os coloca diante de Isabel, não antes sem perder
a oportunidade de tocar a moça, ao servir-lhe a bebida eis que está quase
abraçada a sua musa.
Seja pelo clima quente de verão, pela empolgação do
momento, pelo vinho talvez, o fato é que depois de algumas taças bebidas, numa
total aura de sedução, uma espécie de brinde de núpcias, eis que a atração
entre as duas se torna irresistível, as duas se beijam, a princípio, um beijo
leve, delicado, mas aos poucos torna-se mais intenso, já não são só as bocas
que se encontram, mas as mãos também tocam corpos ansiosos por desejos a serem
saciados.
Bia acha que está sonhando, mas o sonho torna-se um
tanto real, palpável, difícil ignorar as sensações, os lábios de Isabel em sua
nuca, seu pescoço, por alguns minutos ela abre os olhos, pra ter certeza de que
tudo aquilo era real, sim era verdade, o que ela mais queria, acontecia naquele
momento, não havia dúvidas, medos, nem todas as neuras que Beatriz conhecia tão
bem, só Isabel, ali, inteira, só pra ela e, apesar de sua pouca experiência com
o xadrez, e com o sexo Beatriz declara o xeque mate de Isabel, o rei, ou melhor
dizer, a rainha é encurralada, de uma forma maravilhosa, em meio a gritos,
sussurros e promessas, as duas fazem
amor e dormem uma nos braços da outra.
Passadas algumas horas, elas acordam e assim como
num feitiço eis que o encanto acaba com o despertar. Isabel olha para Beatriz,
de uma forma estranha, como que se tivesse consciência de tudo o que tinha
acontecido, sente-se perturbada, atordoada, espera Beatriz acordar, enquanto
isso tenta colocar seus pensamentos em ordem, Beatriz desperta e então chega a
hora da verdade.
Isabel chama Beatriz para uma conversa, e com isso
todo o encanto finalmente se desfaz, a moça acaba com todas as suas ilusões, de
um futuro feliz, de um relacionamento perfeito, diz-lhe:
- Beatriz, o que aconteceu foi um momento de
fraqueza, nunca deveria ter acontecido, não vai poder haver nada entre nós, eu
tenho uma namorada, não podemos ficar juntas. Bia quer argumentar, mas percebe
que de nada vai adiantar, além do que seria se rebaixar e acabar de verdade com
toda a magia do que havia acontecido, Isabel vai embora e deixa Beatriz
novamente mergulhada no inferno.
Os dias que se seguem são difíceis para Beatriz, as
lembranças dos momentos que passou ao lado de Isabel, a sensação de que não era
bem aquilo que ela queria lhe dizer, afinal havia muito amor no que elas haviam
feito, para simplesmente acabar com um “foi um mal entendido”.
Beatriz entrega-se a sua própria dor, volta às
baladas de final de semana, chegando à casa embriagada e louca, deixa fluir
seus instintos mais primitivos e destrutivos, parece que está feliz, mas tudo
não passa de artifícios para esconder as lágrimas que verte na solidão de seu
quarto.
Depois de algum tempo, de quase embarcar em sua
própria depressão, eis que Beatriz encontra forças pra reagir, suas lágrimas
não iriam resolver aquela situação, iria esperar, um dia a vida se encarregaria
daquela situação, esperaria, mas não deixaria de viver, e nesta busca de alguém
pra preencher seu vazio Beatriz encontra Márcia...
Capítulo Cinco: As Rainhas de Copas
2007,
16 de Novembro, um dia depois do feriado, Beatriz conhece Márcia, num barzinho
perto de onde mora, as duas conversam, se conhecem e acabam ficando.
Márcia
tem os mesmos objetivos que Beatriz, pelo menos no que compete a encontrar
alguém, ela quer uma namorada, as duas resolvem investir nesta relação, foi uma
experiência nova, Beatriz nunca tinha namorado alguém, só alguns casos sem
importância, estranhou no início, mas ainda sim resolve levar as coisas
adiante.
Márcia
mostra-se muito ciumenta e insegura, quer colocar rédeas em Beatriz, regular
seus horários, com quem anda, fala, além do que ela tem um filho, o que
dificultou um pouco as coisas.
As
duas são do mesmo signo, porém não são nem um pouco parecidas, apesar de Márcia
achar que eram. Beatriz, não queria ficar presa e, percebia que cada vez mais
ela queria prendê-la, além do que tinha que suportar as crises de ciúme e
insegurança de Márcia.
Conforme
esperado, o relacionamento delas não dura três meses, e em fevereiro de 2008,
elas terminam, ou pior, não terminam, e o envolvimento que tinham termina
naquela: qualquer dia a gente se fala,
esse dia nunca chegou.
Pensando
bem, foi até melhor, Bia não estava apaixonada por Márcia, sentiu o fim do
relacionamento, com certeza, afinal não é tão insensível assim, mas nada que
não pudesse ser superado.
Passado
este período Bia, fica sozinha por um longo tempo, somente alguns casos sem
importância, uma transa de uma noite e uma tentativa com uma garota da
faculdade, a qual acabou te dando um fora, desconfio, por ela não ser o que a
outra esperava.
A
solidão de Beatriz começa a incomodar, ainda mais quando ela começa a ver que
todas as suas amigas, conhecidas, lésbicas inclusive tinham encontrado alguém,
pergunta-se então: o que há de errado comigo? Por que não consigo encontrar uma
pessoa legal pra mim? Talvez por que, ainda pensasse em Isabel, acho que bem lá
no fundo ainda pensa, e pra piorar a situação, ela ainda tem que conviver com
homens que ficam dando em cima, a situação não podia ser mais tediosa.
Bia,
então, depois de muito tempo, resolve investir num outro relacionamento, será
que vai dar certo?
CAPÍTULO SEIS: Uma segunda chance
Depois de mais um tempo na sua geladeira
existencial, eis que Bia conhece Iris, como a deusa grega, que não era grega e
nem um pouco deusa, mas que possibilitou a Bia, uma segunda chance no amor.
As duas se conhecem graças aos milagres da
tecnologia, já que Bia havia se cadastrado num site de relacionamento entre
lésbicas (sala de bate papo já não dava para ela, tudo era muito fútil, vazio).
Na verdade foi Iris que a achou, pois as duas
moravam na mesma cidade e isso despertou a curiosidade da “quase deusa” pela
nossa heroína.
Íris era uma moça legal, inteligente, bom papo, mas
Bia sentia que faltava nela alguma coisa, talvez procurasse a mulher ideal, ou
Isabel, ou as duas coisas ao mesmo tempo.
Só para não se perder o costume e um pouco porque
Bia esperava que fosse dar errado, não sei se de repente torcia para isso, esse
relacionamento também não dá certo e, mais uma vez a história não ultrapassa a
barreira dos três meses, malfadado trimestre, seus relacionamentos obedeciam
quase que um contrato de trabalho, só faltava a carteira assinada das
namoradas, análise de currículum e outras coisas.
A distância também foi separando as duas,
compromissos, medo por parte de Bia de que alguma coisa fosse descoberta e por
fim, o tempo, semanas sem se ver transformaram o relacionamento amoroso numa
amizade somente, mesmo que a aliança no dedo dissesse o contrário.
Apesar das lágrimas e do discurso de Íris de que
nunca mais iria ter ninguém na sua vida, eis que pouco tempo depois ela já
estava de namorada nova e muito bem por sinal, o amor da deusa por Bia não era
tanto assim.
CAPÍTULO SETE:
Uma nova chance ao amor
Depois deste tempo, Beatriz passa aproximadamente
um ano e meio sozinha, nesta altura de sua vida já está com quase trinta anos,
uma balzaquiana e resolve que ela, sua vida é mais importante do que qualquer
coisa, começa então a refletir sobre o que vem fazendo até então, seus amores,
seu trabalho, tudo passa a ser questionado, até mesmo o seu lado, “o que os
outros irão dizer”. Percebe que ela é mais importante, afinal, um dia todos
irão embora, inclusive a própria e aí o que teria acontecido? O que teria feito
de bom para si mesma? Será isso verdadeiramente amor? Afinal, para se amar
alguém precisamos primeiro nos amar, não é verdade? Será que o certo é terminar
como o famoso personagem de Machado de Assis. “Não criei o emplastro, não fui
ministro, mas também não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado
de nossa miséria”. Será que é para isso que estamos aqui? Acredito que
precisamos deixar a nossa marca, seja ela qual for, boa ou ruim, algo para que
as pessoas se lembrem de nós quando não estivermos mais aqui, mas, voltando ao
assunto, Bia resolve se dar uma chance, um dia, num primeiro dia do ano, ela,
depois de uma ressaca, resolve que é hora de se deixar ser feliz.
Beatriz já vinha conversando com uma moça, diga –se
de passagem, bem mais velha do que ela, mas isso não importa, o que é fato é
que ela se interessou, as duas começaram a se falar pelo MSN e eis que neste
dia de ano Bia resolve ir até sua casa, numa cidade a qual ela só ouvira falar
pela televisão e pela fama, e às vezes esteve por lá de passagem, ela então lhe
pergunta se a outra estaria ocupada, pois estava pensando em ir para lá no dia
seguinte, imagine propor isso, quando se está morrendo de dor de cabeça, mas
voilà, faz parte do show, e então ela se foi para essa nova cidade, sem ter a
mínima ideia de como chegar lá, nem de como voltaria, nem se daria certo a
empreitada, mas ainda sim ela foi.
As duas vão então a um shopping na cidade, e
começam a conversar para se conhecerem melhor, quando Bia percebe já são oito
horas da noite, ela pensa que não terá problema nenhum em voltar para casa,
retorna a rodoviária e, qual não é o susto quando percebe que não havia mais
ônibus para voltar. Pensa então, o que faço? Tenho que trabalhar no dia
seguinte, e, numa das manobras mais impressionantes da sua vida, consegue então
voltar para casa, com a ajuda de dois ônibus e um taxi, já que quando chegasse em
sua cidade não haveria mais nenhum ônibus, para voltar a seu bucólico bairro.
No outro dia, ela acorda, cansada, mas feliz, e com
a promessa de um novo futuro pela frente.
As duas então iniciam um namoro, percebem que têm
muitas coisas em comum.
Porém o cotidiano vai mostrar o contrário, Bia tem
uma vida agitada, está prestes a mudar o rumo de sua carreira, e vamos combinar
que isso causa algum stress e elas começam a se afastar, as visitas de Bia
ficam mais escassas, e um dia, próximo ao réveillon, ela recebe um convite para
ir passar a virada de ano num acampamento com sua namorada, não gosta muito da
ideia, mas resolvi ir mesmo assim, (maldita hora em que não ouviu a sua
intuição). O passeio é um fracasso, pelo menos para Bia, o fim de semana
termina em lágrimas com ela voltando para casa arrasada, isso sem contar com a
impressão de que a melhor amiga de sua namorada estava sorrindo por dentro com
o fim do relacionamento, afinal ela nunca foi com a cara de Bia, não sei o porquê,
já que todos os outros amigos da namorada a adoram.
Passado uns dias deste, ensaio para o fim, Bia liga
novamente para a namorada e pede para elas voltarem, afinal já haviam passado
um ano juntas e vivido algumas coisas legais e de repente, poderiam tentar de
novo.
As duas recomeçam o namoro, agora sob uma nova
perspectiva, afinal não se podia pensar em recomeço sem analisar o que havia
dado errado.
Elas conversam e estabelecem como serão as bases
desse namoro, seus desejos e suas necessidades.
Nilce, esse é seu nome tem uma vida mais
“tranqüila” se é que podemos chamar assim, é trabalhadora autônoma, portanto,
tem maior liberdade para fazer os seus horários, o que já não acontece com Bia
que, tem suas horas contadas pra tudo, nessa nova profissão de professora ela
precisa de tempo para se organizar e preparar suas aulas, e isso ela consegue
fazer no espaço antes da hora de ir para a escola, o que faz com que sobre
pouco tempo pra Nilce.
Por morarem em duas cidades diferentes, com um
certo problema de horário entre elas, as garotas nem sempre podem se ver com
freqüência, afinal, os compromissos por vezes coincidem e fazem com que Bia não
consiga ir visitá-la, já que em sua casa ela sabe que Nilce não será bem vinda.
Esse fato então gera os desentendimentos entre as
duas, as cobranças e até as dúvidas de Beatriz com relação ao rumo que esse
relacionamento está tomando, Nilce fala em casamento, Bia já não tem tanta
certeza, apesar de reconhecer que sente algo a mais por ela e de quanto foi
sofrida a primeira separação (foi a primeira vez que Beatriz voltou atrás numa
decisão), ela sente que Nilce ainda não é o grande amor da sua vida e confessa
que espera que ele chegue, talvez por isso as dúvidas, Nilce, por sua vez,
questiona-se se é a pessoa certa para Bia o que de certa maneira também é uma
dúvida também. Será que ela não merece uma pessoa melhor? Quem será essa
pessoa? Não seria melhor estar com alguém que a ame, apesar dos problemas e da
distância do que ficar sem ninguém? E o medo de ficar sozinha novamente? Não
valeria a pena arriscar? Todas essas dúvidas passam pela cabeça de Beatriz, mas
isso é assunto para um próximo momento.
EPÍLOGO
Contar toda essa história parece ter sido fácil,
porém é um grande engano, não é somente narrar fatos de uma vida, é mexer com
lembranças e cutucar feridas que pensamos que já haviam criado cascas e
cicatrizado, porém foi um caminho necessário para que eu entendesse tudo o que
aconteceu meus sucessos, meus fracassos, perceber que tudo foi uma grande
experiência que fez com que eu me tornasse o que sou hoje, uma pessoa forte,
não sabe, mas uma pessoa vivida e acho até que com bastante experiência de vida
apesar dos meus trinta e um anos.
Será que realmente existiram vítimas e algozes?
Hoje, depois de muito analisar essa situação, percebo que não, se sofri com
tudo aquilo, se as pessoas de certa forma me usaram foi porque eu também deixei
que me usassem, que me ferissem, afinal ninguém faz nada conosco que não
queiramos, que não permitimos que façam.
Tudo isso me fez entender e aceitar o que passou.
Perdoar? Não sei, mas talvez ver com outros olhos, menos duros, todo esse
trajeto.
Vivenciar tudo isso foi uma espécie de catarse para
mim, depois de tudo isso sinto-me mais leve e mais forte para enfrentar o que
quer que seja, sem me fazer de vítima das circunstâncias, como diria aquela
música.
Fez com que eu entendesse que tudo na nossa vida
são experiências, mesmo as ruins e não é da boca para fora, realmente eu vivi e
aprendi muito com tudo isso, inclusive o que eu quero e o que não quero mais,
cresci, não sem dor, mas mesmo ela trouxe boas histórias para contar.
Mais do que uma história de amores correspondidos e
não, é uma história de vida e em qual história de vida também não se encontra
uma história de amor?
Depois de tudo, penso que cresci e amadureci como
pessoa, é lógico que ainda com alguns problemas que ainda precisam ser
resolvidos, mas quem não os tem e talvez esse seja um assunto para um próximo
livro.
Até mais!